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27 anos da Defensoria Pública no Ceará: uma história marcada por lutas e desafios

27 anos da Defensoria Pública no Ceará: uma história marcada por lutas e desafios

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Texto: Ana Paula Gomes

Ilustração: Diogo Braga

A Defensoria Pública do Estado do Ceará alcança neste dia 28 de abril de 2024 os seus 27 anos. Desde 1997, quando aconteceu sua criação com a aprovação da Lei 06/1997, na Assembleia Legislativa do Ceará, a instituição trilha um caminho marcado pela soma e força de muitas mãos, enlaçadas no compromisso de ser instrumento efetivo para garantia do acesso à justiça da população mais vulnerável do Estado.

No Ceará, antes da efetivação da lei, a assistência jurídica ficava a cargo dos chamados advogados de ofício, uma atividade que teve início em 1978 e ficava vinculada a Coordenadoria-Geral de Assistência Judiciária do Estado (Caje), da então Secretaria do Interior e Justiça do Ceará. Em meados da década de 1990, começou um movimento político para institucionalizar a Defensoria Pública. Foi o começo para a evolução dos direitos fundamentais no Estado e do acesso gratuito à assistência jurídica.

Com a implementação, em 28 de abril de 1997, 123 defensores e defensoras deram o pontapé inicial, desdobrando o processo árido de construção, com pouca estrutura e atravessando os desafios dentro do Judiciário para que hoje, 366 membros integrem os quadros desta instituição, permanente e essencial.

São quase três décadas edificadas e dedicadas a ser uma ponte de acesso aos direitos básicos e fundamentais de quem mais precisa. A defensora pública geral, Sâmia Costa Maia Farias, rememorou sua chegada, em 2008. “Dos 27 anos de institucionalização da Defensoria, completei 16 que estou nos quadros desta valorosa instituição. Sou testemunha ocular de seu crescimento e das lutas travadas para chegarmos onde estamos. A Defensoria nasce com a luta do povo por paridade  e se coloca como instituição fundamental ao bom funcionamento do sistema de justiça. Que venham mais anos de comemoração com uma Defensoria cada vez mais forte e perto do povo!”, comemorou Sâmia Farias.

Nossos defensores e defensoras públicas ao longo desses anos contribuíram e contribuem para que outros possam colher e experimentar uma instituição fortalecida, alicerçada em uma história coletiva, plural, preenchida e revigorada por pessoas!

Sandra Dond Ferreira, defensora pública titular do 2º Grau e eleita como Corregedora Geral para o biênio 2023/2025, começou como advogada de ofício, em 1978 e hoje comemora mais de 40 anos de caminhada pela consolidação da Defensoria.  “Acompanho o crescimento da Defensoria Pública em todos esses anos que tenho de atuação, e muitas vezes ainda me surpreendo com as situações e mudanças pelas quais já passamos. Iniciei minha atividade sem perspectiva de melhorias imediatas, participei ativamente na busca do reconhecimento da instituição e da importância do trabalho que ela desempenha, através da efetivação de nossa autonomia e com paridade total com as demais carreiras do sistema de justiça . Desejo que a Defensoria esteja sempre perto dos vulnerabilizados, que nunca esqueçamos da nossa razão de existir que é a população, e que sejamos cada vez mais instrumentos de transformação social”, destacou.

Em 1993 e 1994, aconteceram os primeiros concursos, de fato, da carreira. O marco do nascimento da identidade da profissão de defensor(a) público(a), aquele(a) que seria responsável por ir além dos limites do processo judicial em si, indo por um caminho mais amplo, envolvendo orientações, conciliações, atuações extrajudiciais, elucidação de dúvidas, educação em direitos, conforme preconiza a Constituição de 1988. Antes de chegar a institucionalização, estes profissionais já estavam lá atuando por direitos dos mais necessitados.

O defensor Carlos Rogério de Siqueira e Silva foi um dos que ingressou na DPCE nesse período. Comecei a carreira em janeiro de 1994, mas não propriamente na Defensoria. Estávamos dentro da estrutura da Secretaria de Justiça do Estado, vinculado a uma mera coordenadoria de justiça judiciária dentro da Secretaria de Justiça. Assumi minhas funções na comarca de Aracati. Chegando lá, ninguém me conhecia, ninguém nem sequer sabia que eu ia chegar, que eu ia assumir a função. Não tínhamos nenhuma estrutura, assim como o próprio poder judiciário. Contávamos com a ajuda de outras instituições e, com muita dificuldade, fui exercendo a minha função de defensor público. Desde de então, tem sido um grande aprendizado para a minha vida, tanto profissionalmente como enquanto pessoa. Sempre tive aquela esperança de que a Defensoria ia despontar como uma das carreiras mais belas do sistema de justiça. E isso foi ocorrendo pouco a pouco, vários defensores e defensoras que viveram durante esse tempo, muitos lutadores, foram conseguindo colocar uma pedrinha nesse muro, um tijolinho”, relembrou Carlos..

O começo: Caio Cid, nº 1000

Aditada a Lei Complementar Estadual número 6, a Defensoria Pública do Estado do Ceará foi instituída. A Defensoria começa a ganhar forma e a cor verde pinta o seu primeiro espaço, saindo de dentro de uma coordenadoria para funcionar como um órgão com sede própria, a fim de estruturar e fazer nascer a instituição naquela época montada no famoso endereço da Rua Caio Cid. A atividade defensorial toma corpo e vai permeando os espaços do judiciário para ser reconhecida e respeitada como instituição.

Em sua criação, a DPCE nasce com o compromisso de trabalhar a sensibilidade de enxergar o outro. A defensora pública Rozane Martins Miranda Magalhães realizou a seleção em 2001, o primeiro após a implementação da Defensoria Pública. “Há mais de 12 anos sou titular do núcleo de soluções extrajudiciais de conflitos, núcleo de mediação familiar da capital, e vejo, a cada dia, a cada atendimento, o quanto é importante o papel do defensor público nessa intermediação como instrumento de acesso à justiça estimulando o diálogo, o respeito, a colaboração e compromisso com as pessoas que estão vivenciando um conflito, que constitui-se uma das funções institucionais da Defensoria. Isso é muito maravilhoso”.

Vez e voz dentro do sistema de justiça

O defensor público Eduardo Antônio De Andrade Villaça realizou o concurso de 2005, ingressando na instituição no ano seguinte. “Há 18 anos, a situação era bem diferente do que hoje é a Defensoria. Claro que as turmas anteriores encontraram dificuldades ainda maiores. Foi um percurso de muito esforço para a melhoria e o fortalecimento da estrutura da instituição e a valorização da carreira entre as demais. Sem dúvida, uma trajetória de muito esforço, organização e empenho. Fiz parte de algumas gestões e pude vivenciar esse processo e o quanto essa mobilização da unidade da Defensoria foi essencial para o crescimento que hoje ela tem, desde o tratamento que recebe das autoridades, principalmente do poder executivo, do poder legislativo e o reconhecimento dos outros órgãos do sistema de justiça também, que enxerga a instituição como fundamental para o funcionamento da justiça. E agora, aos 27 anos, a nossa instituição tem um papel indispensável para a sociedade e dentro dessa perspectiva comprovamos a importância de realizarmos esse acolhimento, um tratamento humanizado e acolhedor com a população mais pobre, mais carente, mais vulnerável. Nós temos a oportunidade e a missão de darmos voz a essas pessoas”, ressaltou.

Cinira Maria Lopes Silveira sabia bem que qual seria a sua profissão desde a época de estágio: defensora pública. Ela conta que insistiu no concurso até conseguir a aprovação, que aconteceu no ano de 2008. “A Defensoria foi uma grande realização profissional e cada dia agradeço o privilégio de fazer parte da carreira, porque a instituiãção me permitiu ter acesso e conhecimento de realidades totalmente diferentes e ter uma visão mais ampla da sociedade, de escutar o outro, de buscar soluções, e que nem sempre as soluções são só as judiciais. A gente consegue resolver muita coisa com a conciliação, mediação. Durante esse período de atuação na Defensoria, estudei, fiz vários cursos sobre conciliação e mediação. Inclusive, atuei durante um período na em atividade cumulativa no NuSol e todas as experiências ao longo desses anos só me fizeram crescer como profissional e também como pessoa”, compartilha.

A autonomia funcional, financeira e administrativa chega à Defensoria no ano de 2014. Aqui a Defensoria passa a constar no rol das funções essenciais à Justiça. O avanço se deu por conta de emenda constitucional aprovada na ALECE. Neste mesmo ano, Mayara Dos Santos Rodrigues Mendes, participou do concurso que definiria sua carreira. “Além de uma conquista pessoal muito grande, um sonho realizado, a Defensoria me ensina, todos os dias, a levar a sério a dor e as dificuldades das pessoas. Atualmente estou no Tribunal do Júri e percebo isso muito fortemente. Saber que as minhas ações vão melhorar ou impactar positivamente a vida das pessoas que a gente atende, com tanto carinho, garantindo direitos e de alguma forma tentando equalizar, levando acesso à justiça e melhorando a sociedade que a gente vive é muito gratificante!”, frisou.

Em 2021, a Defensoria deu um passo para a democratização do acesso à carreira. Tendo a certeza que políticas afirmativas abrem caminho para uma composição mais diversa, lutou pela aprovação na Assembleia Legislativa (Alce) da lei para destinação de vagas nos concursos e seleções defensoriais para negros, negras, quilombolas e indígenas. A iniciativa permitiu que 20% das vagas fossem destinadas a negros e negras, 5% para indígenas e 5% para quilombolas. Além disso, há os 5% já fixados em lei federal para pessoas com deficiência.

Francisco De Assis Carvalho é de indígena, da etnia Pankará de Carnaubeira da Penha de Pernambuco. Ele é o primeiro indigena a adentrar no concurso por meio das cotas. “Me tornar defensor público é a realização de um sonho de uma vida inteira. A tarefa do defensorar não é fácil. É árdua e exige muito da gente. Exige muito não só o conhecimento jurídico, mas também a esperteza humana, de vida, de trato com as pessoas, pois lidamos com vidas. Esse início está sendo bastante desafiador, mas também bastante prazeroso. As pequenas coisas já fazem valer a pena. Uma absolvição, por exemplo, que pode parecer simples para o todo, porém, que é determinante para a parte. Mostramos que estão sendo representados, que eles têm voz por meio da nossa atuação!”, dividiu Francisco.