Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

A custódia que salva da prisão indevida (mas não tira o peso da injustiça)

A custódia que salva da prisão indevida (mas não tira o peso da injustiça)

Publicado em

A dona de casa Dalva Maria Santos Pereira, 47, encarrega-se da missão de cuidar e suprir todas as necessidades de sua filha Érica, 19 anos. Aos 13, a jovem sofreu um acidente de motocicleta quando ia para escola e teve lesões nas vértebras C5 e C6 que resultaram em uma perda total dos movimentos dos membros inferiores. Sem renda fixa, Dalva e o marido, Francisco Edilson de Lima Sousa, sobrevivem do Benefício de Prestação Continuada (BPC), Governo Federal que é complementado por bicos como pedreiro e serviços gerais.

Em 2019, a menina, muito articulada, recorreu às redes sociais a fim de conseguir uma cadeira de rodas elétrica para facilitar sua rotina e ajudar a mãe em casa. No entanto, quem procurava a generosidade do outro, acabou por encontrar o dissabor da má fé. Dalva e Érica receberam o presente que, segundo a doadora, era fruto de uma vaquinha entre mulheres para ajudá-las. Três dias após ter recebido a cadeira de rodas elétrica, elas viram a Polícia chegar em sua casa sob acusação de formação de quadrilha e receptação. O irmão, que estava preso, foi arrolado nas investigações de estelionato que acabaram incriminando também a dona de casa. Apreenderam a cadeira de rodas e a mãe de Érica, no mesmo dia. Sem nenhuma explicação.

Segundo Dalva, ela foi levada para a Delegacia sob truculência, acusações e xingamentos. Fez o exame de corpo delito, colocada na viatura e levada para o Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa (IPF), único presídio feminino do Ceará e que abrigava, à época, mais de 1000 presas. Era o ano de 2019. Analfabeta e não entendendo toda aquela situação, ficou presa durante 8 dias e só chorava. Sua maior preocupação era com sua filha, que precisava dos cuidados especiais da mãe, sendo ela a única que realizava todos os procedimentos de Érica.

Somente após o oitavo dia, foi submetida à audiência de custódia. A cadeira de rodas recebida na doação era, na verdade, fruto de um crime de estelionato de uma quadrilha que aplicava golpes pela internet. Antes da oitiva, foi recebida pelo defensor público do Ceará, Delano Benevides. “O caso da Dona Dalva é pra mim, um dos mais emblemáticos. Ela que tem uma filha paraplégica e acabou sendo esdruxulamente acusada de participar de uma organização criminosa porque recebeu a doação de uma cadeira de rodas para filha. Se Dona Dalva não sabe ler, como aplicava golpes na internet? A justiça seletiva e a falta de uma investigação consistente acabaram por torná-la vítima de uma prisão injusta e indevida”, disse.

Ela foi solta na custódia, mas teve medidas cautelares definidas. Precisou durante seis meses ir até ao Núcleo da Central de Alternativas Penais (CAP), assinar presença e participar de cursos de reabilitação, sem nunca sequer ter cometido crime algum. Está livre? Não. Ainda teme ser presa novamente e evita sair com frequência na rua por medo do que os policiais militares possam ver que já esteve recolhida em uma unidade prisional e acusá-la indevidamente, de novo.

Três anos após, o procedimento ainda tramita na 15a Vara Criminal, onde ela e outras pessoas estão acusadas. Na última movimentação processual, o Ministério Público do Ceará (MPCE), em novembro de 2020, pediu à Polícia Civil o retorno do inquérito para mais investigação do fato. “Atualmente, o caso em que a Sra. Dalva está equivocadamente implicada se encontra em fase de investigação, tendo sido solicitadas à Polícia Civil pelo Ministério Público informações complementares. Não foi apresentada denúncia. A Defensoria Pública a assistiu em sede de audiência de custódia, tendo sido concedida sua liberdade provisória à época. Ademais, ela está sendo atendida pela Defensoria e temos levado à ela informações sobre o caso em si e possíveis desdobramentos”, esclareceu o defensor público Ricardo César Pires Batista, titular da 15a Defensoria Criminal que a atendeu em junho de 2021 e a tranquilizou sobre o procedimento criminal.

 

Leia mais em Prisões Indevidas continuam sendo realidade para muitos brasileiros