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Adolescentes que alcançam maioridade e deixam abrigos passam a ser acolhidos em república, após pedido da Defensoria

Adolescentes que alcançam maioridade e deixam abrigos passam a ser acolhidos em república, após pedido da Defensoria

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Quem ouve hoje os planos do jovem Valter Vasconcelos sobre um futuro possível nem imagina o quanto havia de angústia um ano atrás. Ele esteve por cinco anos em um acolhimento institucional, entidades públicas ou administradas por ONGs mas com responsabilidade do poder público, que servem para proteger e tutelar crianças e adolescentes vítimas de maus tratos ou abandono. Por lei, esses equipamentos só podem acolher indivíduos abaixo dos 18 e ele via a maioridade aproximar-se sem certezas sobre qual rumo a vida tomaria dali em diante.

“Antes de sair, a gente fica ansioso. Cheguei até a pensar besteira. Mas a equipe sempre me deu muito apoio, disse que ia me ajudar e que eu não ia sair de mãos abanando. Eu queria poder me manter, encontrar um lugar pra morar, ter o meu dinheiro. Queria sair do abrigo já trabalhando”, lembra o rapaz.

E saiu. Não voltou para a família da qual foi resgatado de uma rotina de violação de direitos, atravessou a adolescência em segurança e, ao tornar-se adulto, ganhou um novo lar e um emprego. Vive hoje em uma república, criada a partir de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública do Estado (DPCE). Este espaço agora amparo aos jovens é de responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza.

“A gente pode tirar experiência e evoluir com tudo. Considero o tempo que fiquei no abrigo um grande ensino, porque vivi coisas que pessoas da minha idade nunca viveram. Foi um tempo bom. Na república, a lógica é outra. É um amadurecimento, porque lá a gente é quem tem que cuidar da nossa rotina. Eu sou adulto agora e tenho responsabilidades. Não é como no abrigo que tinha o pessoal das equipes pra fazer tudo pela gente. Apesar de ser um lugar muito bom, não é minha casa. Pretendo sair logo e ter o meu lugar”, sentencia.

Assim como ele, outros 11 jovens em situação de acolhimento completaram 18 anos e deixaram os abrigos públicos este ano. Até março do ano que vem, o Núcleo de Atendimento da Infância e da Juventude (Nadij) da DPCE estima que outros cinco vão alcançar a maioridade. E terão, tal qual Valter, o destino indefinido, mas com uma possibilidade: serem abrigos na república.

Autor da Ação Civil Pública (ACP) que originou a criação da república, o defensor Adriano Leitinho, atuante na 3ª Vara da Infância de Fortaleza, comemora o fato de os jovens terem para onde ir. Entre o ajuizamento da ACP, em 2016, e a sentença do juiz, ele lembra que dois anos transcorreram. E o Ceará não dispunha de nenhuma república, por mais que a legislação indicasse essa obrigatoriedade.

“Estes jovens realmente não tinham perspectiva nenhuma, nem de moradia e nem de entrar no mercado de trabalho. Aí, criava-se um novo problema. Antes dos 18 anos, eles estavam num lugar protegidos, com alimentação e acompanhamento. Lembro que, à época, fizemos um estudo e entramos em contato com a Prefeitura de Fortaleza para mostrar a gravidade da questão. Hoje, o movimento é o inverso. Eu já me deparo com novos processos já com o encaminhamento desses meninos para a república. Isso deixa a gente satisfeito e muito mais tranquilo de que segue na rede de proteção de direitos”, detalha Leitinho.

A ACP surgiu quatro anos. À época, explica o defensor, ele lidava constantemente com casos de jovens que voltavam para as famílias nas quais durante anos sofreram algum tipo de violência. “Muitos não tinham outra opção. Era isso ou morar na rua. Esse momento da saída era um momento de muita expectativa, ansiedade e preocupação. Hoje, a gente percebe que eles estão mais tranquilos, porque tem um lugar para onde ir. Isso é bom, inclusive, psicologicamente. Era uma pressão muito grande.”

Atual supervisora do Nadij, a defensora pública Julliana Andrade explica que o núcleo acompanha os casos de todas as crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional em Fortaleza. Quando a adoção deles/as não é possível nem há vínculo com a família biológica próximo de a maioridade ser alcançada, as próprias equipes técnicas dos abrigos começam a trabalhar a independência desses indivíduos.

São feitos encaminhamentos para cursos profissionalizantes, por exemplo, para a saída do abrigo acontecer com alguma chance de o jovem conseguir ingressar no mercado de trabalho. “Antes de a república existir, esses jovens muitas vezes não tinham para onde ir. Com ela, esses jovens podem continuar sendo trabalhados e não ficam desamparados pelo poder público. A ACP que determinou a construção da república em Fortaleza é decorrente do trabalho que o Nadij realiza junto às unidades de acolhimento e do acompanhamento de todas as crianças e adolescentes acolhidos na capital! Esse acompanhamento processual e sistemático nos permite cobrar políticas públicas fundamentais para a garantia de direitos de crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade”, pontua Julliana Andrade.

Já a defensora Ana Cristina Teixeira Barreto, titular do Nadij, detalha que, além de trabalharem a autonomia e favorecerem a capacitação dos adolescentes, as equipes dos abrigos podem articular, em parceria com a rede de proteção social, que congrega vários atores, a concessão de aluguel social pelo Estado ou pelo Município, no caso de o jovem não ter condições de manter a própria subsistência nem contar com retaguarda familiar. “Na impossibilidade de retorno familiar ou de provimento da própria subsistência, as repúblicas são um espaço que podem receber esses jovens. Elas não existiam há até bem pouco tempo e os jovens muitas vezes se viam sem ter pra onde ir. Alguns até permaneciam nos abrigos”, frisa a defensora, que defende a criação pela Prefeitura de Fortaleza de residências inclusivas para pessoas com deficiência acolhidas em abrigos e que chegam a maioridade.

Conforme ela, essas estruturas já existem no âmbito do Estado. São exclusivas, contudo, a jovens oriundos de municípios interioranos. Elas substituem espaços que antes adotavam uma metodologia mais manicomial para lidar com indivíduos acamados, em uso medicamentoso ou com comprometimento cognitivo. “Eles viviam em situação de muita indignidade. Essas residências inclusivas são diferentes. São locais onde os jovens ficam responsáveis pela manutenção e onde a autonomia deles é trabalhada. Todos são supervisionados, mas a questão da dignidade é muito trabalhada. Cada um tem seu quarto e suas responsabilidades”, pontua Ana Cristina Teixeira Barreto.