Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Saiba mais sobre o movimento de mães e familiares que lutam por justiça

Saiba mais sobre o movimento de mães e familiares que lutam por justiça

Publicado em

“Transformei meu luto em luta”. A frase que as mães carregam nas bandeiras é o resumo da trajetória de quase 8 anos na luta por memória e justiça pela Chacina do Curió. Em meados de 2016, mãe e familiares vítimas da maior chacina protagonizada por policiais militares na história do Ceará ergueram o Movimento Mães e Familiares do Curió para lutar pela memória e justiça por seus filhos e entes queridos que foram executados em 11 de novembro de 2015. Unidas, elas tiram o luto da esfera privada e o levam para a cena pública.

Por onde passam, elas estendem a bandeira do grupo com as fotos das pessoas assassinadas na Chacina. A coragem das mulheres que transformaram o luto da morte brutal de um filho e de um companheiro em luta por memória e justiça inspira grupos de mães em todo o País. Além das mobilizações que elas fazem junto ao Sistema de Justiça local, elas participam todos os anos, desde 2018, de encontros nacionais de mães vítimas da violência do Estado. “Vivemos há quase 8 anos o vazio de nunca mais poder ver chegar em casa quem teve sua vida tomada pela brutalidade de servidores públicos pagos para nos proteger”, detalha uma das mães sobreviventes da Chacina.

Em 2021, elas se uniram a outros movimentos e pesquisadoras das universidades cearenses para escrever um livro “Onze: movimento mães e familiares do Curió com amor na luta por memória e justiça” (clique para acessar) que pudesse apresentar seus filhos e companheiros como seres humanos com seus sonhos, suas potências, suas qualidades, seus feitos, seus percalços, sua (em grande maioria) breve linha do tempo — enunciada, esta, pelo embalo das memórias. 

Nessa caminhada, elas vêm encontrando possibilidades, seja para o trato com a dor e a saudade, seja pela demora na responsabilização e reparação. As dimensões da entrega, sacrifício, sofrimento e transformação são notadas em cada história contada no livro, em cada fala pública, em cada entrevista dessas mães aos meios de comunicação. São vozes muitas vezes doídas e fortes, reflexo de um luto em busca de justiça.

Com o fortalecimento do coletivo e o reconhecimento da bandeira de luta, as mães passaram a se destacar na luta por justiça nas periferias de Fortaleza. “A gente tem que manter nossa juventude viva! (…) a gente tem que lutar pela nossa periferia! Nossa periferia é alvo, é procurada, é morta todos os dias! (…) Então, a minha luta, hoje em dia, é contra a polícia. Contra a polícia que mata, a polícia que faz extorsão, que viola os direitos do cidadão! Enquanto a polícia entra no Estado, vai por todo o Estado matar, eu quero levantar minha bandeira em todo o Estado como uma bandeira de justiça, como uma bandeira de luta, de levantar mulheres empoderadas em todo o Estado do Ceará! Levantar mulheres guerreiras que deem a cara a tapa, que não tenham medo porque perderam seus filhos, mas, sim, vá lá na televisão, que vá na mídia, que vá lá na frente do governo, que vá em todo canto e diga: ‘Meu filho era inocente e eu quero justiça!’ “, conta Edna Cavalcante, uma das fundadoras do Movimento das Mães e Familiares do Curió. 

Outra mãe na luta é Maria, que conheceu Suderli, outra mãe que também havia perdido o filho na Chacina — e assim foram em busca de justiça. Por meio da Defensoria Pública, ela conheceu outras mães e familiares. Nos últimos cinco anos, o Movimento participou de muitos atos, mesas de debates, eventos — e sempre incidiu junto ao poder público para que os policiais envolvidos no crime sejam julgados e condenados.

Algumas conquistas – Ainda no primeiro ano de coletivo, as mães ganharam o Prêmio Maria Amélia de Direitos Humanos, que homenageia pessoas, organizações e órgãos que se destacaram na defesa dos Direitos Humanos no Ceará. Em 2017, por meio da Câmara de Vereadores, elas conseguiram a nomeação de ruas no Jangurussu com nomes de duas vítimas da Chacina.

Em novembro daquele ano, passados 2 anos da Chacina do Curió, foi realizado um seminário com cerca de 80 organizações de Direitos Humanos, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em que se refletiu sobre o que era possível fazer para enfrentar o contexto de violência no Estado. 

Naquele dia, foi fundado o Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará. Ali, aparece o protagonismo de várias pessoas impactadas pela política de segurança do Estado. O Movimento Mães e Familiares do Curió participou de forma emocionada naquele momento em que se rememorava a dor daquelas onze famílias que ali estavam, concretamente, transformando o luto em luta.

Em novembro de 2019, o Fórum Popular de Segurança do Ceará, o Movimento de Mães e Familiares do Curió e a Casa Avoa lançaram a Exposição “Nomes”. A exposição nasceu de um convite muito oportuno do Coletivo Casa Avoa, através do Edital das Artes da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, e pela Vila das Artes da Prefeitura Municipal de Fortaleza, que coordenou e concretizou essa ideia. Aquelas famílias protagonizavam mais uma vez aquela que seria uma exposição artística, forte, que tocou profundamente quem teve a oportunidade de visitá-la no Sobrado José Lourenço.

Em fevereiro de 2021, vitória importante na luta das mães: o Movimento Mães e Familiares do Curió, juntamente com a Defensoria Pública do Estado do Ceará, conquistou uma decisão liminar, garantindo que o Estado seja obrigado a reparar, minimamente, o dano sofrido pelas famílias — e aqui não se trata de reparação monetária, pois esta não se mensura em dinheiro. Diz respeito à memória, à imagem, à justiça e à assistência psicossocial às famílias vítimas desse terrível episódio, mais do que isso, é um passo simbólico e decisivo no reconhecimento do papel do Estado na Chacina, bem como sua omissão na garantia de direitos mínimos. 

“Não fomos as primeiras nem as últimas vítimas de violência policial no Brasil. Temos a esperança de que será feita a justiça de Deus no Tribunal do Júri. Acreditamos que a responsabilização dos réus servirá de exemplo para que outras famílias não sofram o que sofremos. Por fim, temos o sentimento de que segue vivo em nós e no mundo aqueles por quem lutamos. Acreditamos que criar uma memória sobre o que aconteceu e responsabilizar quem cometeu a violência é um avanço para a garantia de direitos no país. Para isso, precisamos do apoio de toda a sociedade brasileira para cobrarmos em uma só voz: #JustiçaPeloCurió”, escreveram as mães em artigo recente ao site Brasil de Direitos.

 

Com informações do livro “Onze: movimento mães e familiares do Curió com amor na luta por memória e justiça”

Parceria: Cedeca/CE e Defensoria