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Defensores são contrários à mudança sobre a concessão de medidas protetivas na Lei Maria da Penha

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O presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.505, publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (9), que altera a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), mas vetou o artigo que permitia que delegados aplicassem medidas protetivas em casos de risco. O Senado Federal havia aprovado em outubro projeto com a mudança, retirando a prerrogativa exclusiva dos juízes para conceder medidas protetivas de urgência às mulheres que sofreram violência e a seus dependentes. Entidades ligadas aos Direitos Humanos e associações de promotores e defensores públicos fizeram grande pressão para o veto da proposta.

A Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará criticou a proposta. A inclusão do art. 12-B na Lei Maria da Penha, pelo projeto de Lei 07/2016, possibilita aos delegados de Polícia o poder de conceder algumas medidas protetivas, todavia tratando de matérias restritas à reserva de jurisdição, isto é, matérias sobre as quais somente uma autoridade do Poder Judiciário poderia apreciar e decidir a respeito, como as relativas à liberdade de locomoção, inviolabilidade do domicílio quando não há flagrante (caso o agressor resida junto com a ofendida e tenha que manter uma distância mínima de 100 metros da mesma), dentre outras.

“Uma potencial e plausível ação judicial alegando a  inconstitucionalidade do novo dispositivo representará um retrocesso à Lei Maria da Penha e seus avanços decorridos desde sua edição, que é reconhecida, inclusive pela ONU, como uma das leis mais avanças do mundo com relação ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, propiciando uma insegurança jurídica às próprias mulheres em situação de violência, indo, desta feita, de encontro ao esforço de proteção às mulheres em tal situação”, avalia o defensor público Daniel Mendes, do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará.

O projeto determina que a concessão de medidas pelo delegado só será admitida em caso de risco real ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes. A autoridade policial deverá comunicar a decisão ao juiz e também consultar o Ministério Público em até 24 horas, de acordo com a proposta, para definir pela manutenção da decisão.

Entre as medidas que podem ser aplicadas em caso de violência, estão a proibição de o agressor manter contato ou se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, vetando-o de frequentar determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da agredida, e o encaminhamento da mulher à rede de apoio às vítimas de violência.

O autor da proposta, deputado Sergio Vidigal (PDT-ES), justificou em sua proposição que a mudança irá acelerar a apreciação dos pedidos, a fim de garantir a segurança da mulher, e que objetiva promover melhorias no sistema de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Para o defensor público Daniel Mendes isso não vai acontecer na prática. “É fato notório que as delegacias brasileiras, dentre elas as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), não possuem estrutura adequada para viabilizar a intenção do legislador, ou seja, a concessão célere das medidas protetivas, a intimação do agressor, dentre outras atribuições inerentes, motivo pelo qual, na prática, não conseguiriam assegurar esta celeridade pretendida pelo legislador, e, consequentemente, garantir mais segurança às mulheres, sendo ideal, sim, a estruturação mais condigna dos órgãos que fazem parte do sistema de Justiça para a consecução do objetivo pretendido, fomentando, assim, o acesso e acolhimento pleno das mulheres ao sistema de justiça”, comenta.

A defensora pública Jeritza Braga reforça esta preocupação. “O objetivo do projeto de lei é agilizar a concessão das medidas protetivas, mas não podemos esquecer que o agressor precisa ser intimado com a mesma rapidez e eficácia sob pena de MPU não surtir nenhum efeito. Preocupa-me saber como será efetuado essa diligência. Temos conhecimento do número reduzido do efetivo policial e, com essa realidade cada vez mais próxima das delegacias de polícia, conceder as medidas protetivas implica também em deslocar policiais para essa intimação”, afirma.

No Brasil, várias instituições manifestaram-se contra o projeto, entre as quais o Grupo Nacional de Direitos Humanos e a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União; a Comissão Especial para Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, bem como as organizações que elaboraram o anteprojeto de lei Maria da Penha e outros grupos feministas, de mulheres e de defesa dos direitos humanos.

Um dos argumentos é que a mudança pode impedir que as mulheres violentadas apresentem seus pleitos à Justiça uma vez que a proposta abole a capacidade da vítima de postular diretamente para o juiz as medidas protetivas de urgência, determinando que apenas se o delegado de polícia entender necessário ele é quem representará ao juiz para a aplicação de outras medidas protetivas.

Para as instituições a alteração é ilegal. Elas apontam que a decisão por medidas protetivas de urgência é uma grave ingerência nos direitos fundamentais do investigado e, portanto, o poder de polícia de limitar a liberdade de indivíduos não pode ser ampliado negando direitos aos acusados de agressão. Argumentam ainda que a proibição de se aproximar dos parentes da vítima pode importar, inclusive, na supressão do direito de visita regulamentado por decisão judicial, criando a situação de um despacho policial revogar decisão judicial, restringindo o direito fundamental à liberdade do cidadão.

Atualmente 900 mil processos sobre violência doméstica tramitam na Justiça brasileira. Para Daniel Mendes, a legislação atual deve ser reforçada com maior amparo do Estado ao sistema de Justiça, estruturando adequadamente Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e rede de apoio para a proteção de mulheres vítimas de violência e para a justa punição dos agressores.

“Temos dialogado muito com as delegadas de defesa da Mulher de Fortaleza para que seja possível a conclusão do inquérito policial, dentro do prazo de seis meses, para os crimes de ação penal privada, a fim de possibilitar aos defensores públicos do Nudem ingressarem com a queixa crime dentro do prazo legal, mas o que percebemos é que a demanda da delegacia da Mulher é cada vez maior e, infelizmente, o investimento com pessoal e estrutura não acompanha esse crescimento”, comenta Jeritza Braga.

COMO FUNCIONA HOJE

– A Lei Maria da Penha, que completou 11 anos de vigência, prevê a competência do Judiciário na determinação de medidas protetivas, conferindo à polícia o dever de orientar a vítima sobre medidas protetivas e outras questões, como registro de ocorrência, além de apoiá-la para a busca dos pertences em casa.

– Conforme a lei, entre as medidas que podem ser aplicadas estão a proibição de o agressor manter contato ou se aproximar da mulher, de seus familiares e das testemunhas, vetando-o de frequentar determinados lugares, e o encaminhamento à rede de apoio às vítimas de violência.

O QUE TRAZ A PROPOSTA

– Define que a autoridade policial poderá conceder medidas protetivas de urgência às mulheres que sofreram violência e a seus dependentes. O delegado deverá comunicar a decisão ao juiz e também consultar o Ministério Público em até 24 horas, de acordo com a proposta, para definir pela manutenção da decisão;

– Estabelece que deve ser priorizada a criação de delegacias especializadas de atendimento à mulher (Deam), núcleos investigativos de feminicídio e equipes especializadas para o atendimento e investigação de atos graves de violência contra a mulher;

– Determina que a vítima de violência deve ser atendida, preferencialmente, por outras mulheres;

– Fixa diretrizes para a escuta de vítimas e testemunhas, como a garantia de que sejam ouvidas em local isolado e específico e de que não haverá contato com investigados ou suspeitos.

 

* Atualizado em 10 de novembro de 2017