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Empréstimo consignado para analfabetos: por que proteger os hipervulneráveis

Empréstimo consignado para analfabetos: por que proteger os hipervulneráveis

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O Código de Defesa do Consumidor (CDC), legislação específica criada nos ano 90 para proteger as relações de consumo da sociedade, identifica como hipervulnerável o consumidor idoso e esse cenário se agrava mais ainda quando ele é analfabeto. A eles, a proteção consumerista é ainda maior, motivo que obriga os fornecedores a tratá-los de modo diferenciado.

A característica da hipervulnerabilidade na verdade confere proteção. De acordo com o artigo 39, inciso IV do CPC: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

A idade avançada traz consigo a diminuição ou perda de determinadas aptidões físicas ou intelectuais que tornam o indivíduo mais suscetível a práticas abusivas e até mesmo a fraudes. Foi o que aconteceu com o pai da Lucieuda Felix, 51. Agricultor do interior do Ceará, precisamente Sítio Jandaíra, no município de Palmácia, José Renato Félix tinha 78 anos quando foi morar com a filha. “Um dia ele passou mal, então decidimos que ele viria morar comigo. Nessa caminhada, precisei recorrer ao benefício dele para ajudar nas despesas de casa, até então eu e meu marido que pagávamos tudo. Quando fui sacar, o previsto era que fosse pouco mais de um salário mínimo, veio somente 153 reais. Não entendi o que havia acontecido”, relata.

No mesmo dia, Lucieuda procurou a agência bancária e confirmou a suspeita: constavam dois empréstimos consignados, recém-adquiridos, que descontavam quase o valor todo do benefício. “Ai, eu me pergunto: como era que eles faziam não um, mas dois empréstimos para um agricultor rural, idoso e que não sabe ler? Questionei se quando chega um idoso analfabeto, porque eles não orientam a chamar alguém da família, um parente, um filho. O idoso chega, faz um empréstimo que vai comprometer a renda dele e, às vezes, ele não tem noção disso, a família não sabe e fica por isso mesmo?”, questiona.

De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as dívidas de aposentados e pensionistas no crédito consignado atingiram, em dezembro de 2019, o maior nível da história: R$ 138,7 bilhões. A demanda é delicada e requer um cuidado e olhar específico. Essa situação pode ser amplamente agravada em decorrência da falta do acesso à informação.

“Nós temos a honra, a moral e inúmeros institutos aliados ao Direito que colocam o consumidor na posição de devedor e que deve advir com seus contratos. Acontece que da maneira como está instituído, transforma essas pessoas em servos por dívida. Um idoso que tem vários empréstimos com diferentes instituições financeiras, que se fundem, compram dívidas umas das outras, um conglomerado se une a outro conglomerado, ele nem sabe a quem deve. Ele procura um preposto de uma instituição financeira e de repente ele percebe que refinanciou aquela dívida com uma vantagem insignificante, desvantajosa. O Estatuto do Idoso, inclusive, criminaliza situações de pessoas que tentam tirar vantagem na área econômica”, explica a defensora pública das Defensorias Civeis, Mariella Pittari.

“A nossa atuação tem um efeito objetivo e subjetivo. Objetivamente, o analfabeto precisa ser tratado como um consumidor hipervulnerável e é preciso lembrar que o contrato de consumo ele não se confunde com o contrato civil, baseado nessas premissas, o que mais se precisa no empréstimo consignado com um analfabeto, não é discutir a validade de instrumento contratual é saber se ele compreendeu realmente o que ele estava contratando. Esse é o ponto”, explica a defensora pública e presidente da Associação das Defensoras e Defensores do Estado do Ceará (Adpec), Amélia Rocha, que é titular da 2a Defensoria do Núcleo de Defesa do Consumidor.

IRDR – Na última sexta-feira, 19, o subdefensor geral Vicente Alfeu Teixeira Mendes realizou sustentação oral em audiência realizada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) sobre o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) que discute a necessidade, ou não, de instrumento público para a lavratura de contrato de empréstimo consignado entre instituições financeiras e pessoas analfabetas. A petição foi dada entrada pela defensora geral do Estado, Elizabeth Chagas.

O IRDR foi apresentado pelo Banco Itaú Consignados S/A, pela legalidade ou não, de um instrumento particular para efetivação de empréstimo descontado em folha entre beneficiários analfabetos e instituições financeiras. A Defensoria Pública do Ceará se posicionou em desfavor ao Incidente e sustentou a necessidade da suspensão do trâmite do IRDR para realização de análise cuidadosa de todos os pontos chaves da discussão de empréstimos consignados para analfabetos.

Ainda, a Defensoria Pública sustentou que, caso não seja suspenso, seja estabelecido um prazo de 30 dias para realização de um estudo mais detalhado sobre os processos apresentados no pedido. Por fim, caso os pedidos não sejam atendidos, a Instituição pede que seja alterada a redação do IRDR que priorize a participação de testemunhas que tenham vínculo de confiança com o contratante e que sejam alfabetizadas.

“A nossa grande preocupação em um IRDR tratar a matéria é o efeito político-jurídico, a força que um enunciado pode gerar e pode levar a entender que se está admitindo um menor cuidado na concessão de um empréstimo a um analfabeto. Entendemos que não seria o caso do IRDR”, explica a defensora pública Amélia Rocha.

Para esta a sustentação oral, a defensora pública Mariella Pittari e Amélia Rocha auxiliaram os trabalhos e estudos na questão. Um coletivo de defensores têm se reunido para estudar a matéria, desde o TJCE anunciou que faria audiências sobre a temática.

Crédito consignado – O crédito consignado é uma modalidade de empréstimo destinada exclusivamente para aposentados e pensionistas do INSS, militares das forças armadas, trabalhadores assalariados de empresas privadas e servidores públicos. Ao optar pelo consignado, o cliente autoriza que a instituição desconte as parcelas de quitação do empréstimo diretamente da folha de pagamento ou benefício do INSS.

Serviço:
Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública
Celular: (85) 99409-3023
E-mail: nudecon@defensoria.ce.def.br