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“Há um despreparo das famílias para lidar com a velhice”, afirma defensora na 96ª edição do #NaPausa

“Há um despreparo das famílias para lidar com a velhice”, afirma defensora na 96ª edição do #NaPausa

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O programa de conversas e debates ao vivo que a Defensoria Pública transmite no Instagram discutiu nessa terça-feira (22/6) um tema importante sobre a sociedade brasileira: o envelhecimento. A defensora Ana Carolina Gondim e a assessora técnica na área de direitos e políticas das pessoas idosas, professora Pérola Melissa Vianna Braga, debateram o assunto na perspectiva da violência, já que junho é um mês dedicado ao combate à prática, com 15/6 sendo o Dia Mundial de Conscientização.

Atuante na 13ª e 18ª Varas Cíveis de Fortaleza e ex-titular do Núcleo do Idoso da DPCE, Ana Carolina Gondim afirmou que não existe apenas a violência física. Há ainda a psicológica, a sexual, a financeira, a institucional e a sociopolítica, além da negligência e o abandono. “Do mesmo jeito que a legislação tipifica a violência contra a mulher, acontece com o idoso”, comparou a defensora, que disse estar lidando ultimamente com um aumento no caso de medidas protetivas para pessoas acima de 60 anos. E ponderou: “há um despreparo das famílias para lidar com a velhice, mas também há um despreparo do judiciário como um todo, da ciência jurídica.”

Pérola Melissa Vianna Braga destacou que 80% dos casos envolvendo violência contra idosos no Brasil só de negligência. Ou seja: falta de cuidado, de medicamento, de assistência etc. Contudo, ela revelou que ocorrências de cunho sexual e financeiro têm crescido. A especialista alertou que, independente do tipo de violação de direitos em questão, é preciso denunciar. Basta acionar o Disque 100. A ligação é gratuita e a identidade do denunciante mantida sob sigilo.

Pesquisas indicam que 83% dos casos de violência contra idosos são cometidos por membros da família. “Se vivemos hoje uma epidemia de Covid, temos há anos uma epidemia de violência contra pessoas mais velhas. Mas o Brasil é um país que nega o envelhecimento! Quer se colocar como um país de jovens quando a população que mais cresce é a de idosos. Aqui, as pessoas negam o envelhecimento; não conversam sobre envelhecimento. Nós não nos identificamos como um país envelhecido. Isso é pela falta de preparo, mas também porque culturalmente nós fizemos uma transição demográfica muito rápida”, afirmou a professora.

Para Pérola, o Brasil pode ser chamado de “nação do antiage” (em inglês, ‘age’ significa ‘idade’; logo, ‘antiage’ seria ‘anti-idade’). Ela avalia que as famílias não discutem os efeitos do envelhecimento e, por isso, acabam sendo surpreendidas quando deparam-se com as demandas específicas da idade de algum ente, como o adoecimento, por exemplo.

“Aí, essas pessoas se veem perdidas. Mas só se veem perdidas porque não se prepararam. É o que eu chamo de ‘crise dos cuidados’. A nossa sociedade precisa se perceber ‘envelhecente’ e se preparar pra isso. Porque hoje, quando o idoso tem uma dificuldade, as pessoas não toleram. Quando ele demora no caixa eletrônico, as pessoas não toleram, mesmo sendo o caixa eletrônico uma linguagem pra qual essa pessoa não está preparada. A gente tem que reconhecer que a população idosa faz parte da população brasileira. E é uma parte importante e que precisa ser considerada”, pontuou Pérola.

A professora considerou que no Brasil somos educados desde a infância a valorizar o novo e desvalorizar o antigo, diferente do que ocorre noutras partes do mundo, como na África, onde a ancestralidade é cultuada, e na Europa, onde pessoas velhas são estimuladas a terem autonomia e independência tanto quanto possível. “Há um preconceito contra o velho aqui. A gente, inclusive, pensa em idosos como seres assexuados. Quando esse idoso coloca como alguém sexualizado, é chamado de velho tarado ou velha tarada. Isso não acontece na Europa. Lá, a sexualidade é considerada direito de todos. Isso é cultural”, disse.

Pérola pontuou que em muitos países as pessoas são estimuladas a fazerem previsões e prevenções para a velhice já a partir dos 40 anos. Há uma cultura de saber administrar o envelhecimento, de tomar para si a responsabilidade de escolhas e decisões, enquanto no Brasil há um estímulo, até por parte do poder público, à informalidade, inclusive em questões trabalhistas.

A professora ponderou, no entanto, que nem toda família é violadora de direitos dos idosos. “Às vezes, ela é só uma família despreparada. Se for orientada por uma série de serviços, pode desempenhar bem esse trabalho. Não precisa ter só dois caminhos: a família cuidar ou colocar o idoso numa casa de repouso. O poder público não tem como ajudar a preparar essa família pra ela cuidar desse idoso? Não adianta prescrever institucionalização, até porque não tem vaga pra todo mundo. E a lógica desses lugares é simples: pra um entrar, outro tem que morrer. Então, toda vez que você projeta seu pai ou mãe pra ir pra uma instituição, você está desejando a morte de alguém.”

Ela defendeu, então, que sejam discutidas e pensadas outras maneiras de convivermos com a velhice. E reivindica mais investimento público na área. “O que tem de repasse público pra criança e adolescente não chega à metade para o idoso. A população idosa é a que mais cresce e a gente faz os maiores repasses à educação de base. Precisamos dividir melhor o orçamento”, sublinhou a assessora técnica na área de direitos e políticas das pessoas idosas.

O #NaPausa é um programa da Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) veiculado no Instagram. Em pouco mais de um ano de atividades, a iniciativa já alcançou mais de 75 mil espectadores e se aproxima da edição número 100. As transmissões são feitas no perfil @defensoriaceara.

Para assistir na íntegra à live “Direito de envelhecer sem violência”, clique aqui.