Idosos ficam reféns de empréstimos consignados e buscam soluções na Defensoria
TEXTO E FOTO: DEBORAH DUARTE
Basta passar uma manhã no Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Ceará, na Cidade dos Funcionários, em Fortaleza, para constatar uma realidade apresentada em pesquisas nacionais: é cada vez mais constante a chegada de idosos no local. Eles realizaram empréstimos, caíram em golpes e estão endividados com os chamados empréstimos ou cartões consignados porque, muitas vezes, contrataram sem entender direito o tamanho da dívida e da responsabilidade do que estavam assinando.
Foi o que aconteceu com a aposentada Marilene Francisca de Albuquerque, de 74 anos. Ela trabalhou mais de 25 anos em uma antiga fábrica de costura localizada no bairro Vila Velha, em Fortaleza. “Naquele tempo eu ganhava bem, minha filha. Recebia por produção, meu marido ainda era vivo e ajudava em casa. Eu não passei essa dificuldade que tenho hoje não, com o dinheiro reduzido por causa desses empréstimos. Quando a fábrica fechou, a empresa viu que eu já estava perto de me aposentar e deu logo entrada nos papeis, mas hoje a aposentadoria não dá pra nada. Sou viúva, meus filhos todos ainda moram comigo e me ajudam do jeito que podem”, revela a mulher.
O endividamento dos idosos apresenta dados preocupantes no Brasil. Segundo dados divulgados em junho de 2023 pela Serasa, das mais de 71 milhões de pessoas que estão na lista de inadimplentes, 18,1% têm mais de 60 anos de idade e 34,8% estão na faixa dos 41 aos 60 anos. São mais de 35 milhões de indivíduos que, pela queda da empregabilidade nessa faixa etária, diminuição de renda, aumento dos gastos com medicamentos, uso inadequado do crédito consignado e tantos outros motivos, vivem em risco financeiro.
Marilene é a personificação desses números. A idosa tem descontos referentes a três empréstimos consignados e recebe pouco mais de R$800,00 da aposentadoria. Ela lembra muito bem quando precisou fazer os empréstimos. “Lá no bairro onde eu moro tem um homem que fica na calçada oferecendo empréstimos. Todo idoso que passa ele chama pra conversar, pergunta se a pessoa tá precisando de dinheiro. O pior é que todo mundo tá precisando mesmo e eu caí na conversa dele, entreguei o RG, comprovante de residência, bati a foto lá mesmo. Ele fez todo o procedimento comigo lá, assinei os papéis e recebi mil reais. Fiz isso três vezes e agora tô com esse problema pra resolver”, conta.
A mulher chegou a procurar assistência jurídica. Uma audiência aconteceu na 15a Unidade do Juizado Cível e Criminal, mas a decisão judicial não foi nada favorável. “O banco levou as comprovações que ele tinha desses empréstimos e o juiz disse que eu estava litigando de má-fé, ainda colocou multa pra eu pagar. Como é que eu vou agir de má-fé, minha filha? Eu sei que fiz os empréstimos, mas agora não tô podendo pagar desse jeito, recebendo uma miséria. Quero resolver pra ver se a vida fica melhor”.
Segundo a defensora pública Amélia Soares, do Núcleo de Defesa do Consumidor da DPCE, idosos são as principais vítimas desses golpes e práticas abusivas por comporem um grupo juridicamente compreendido como hipervulnerável. Na grande maioria das vezes, o idoso não lida bem com a realidade digital. Então, ele vai se tornando mais vulnerável a essa situação.
A defensora explica que essas situações , além de muitas vezes se configurarem como fraudes, ainda comprometem o mínimo existencial para a sobrevivência da pessoa, termo que ganhou notoriedade após a aprovação da Lei 14.871/2021, que define como superendividamento a situação em que o consumidor de boa-fé assume sua impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraiu.
“São os desdobramentos que se convergem em relação à hipervulnerabilidade do consumidor idoso: é o super endividamento, que é justamente as dívidas acumuladas; tem as fraudes, porque ele fica muito mais suscetível às fraudes, principalmente porque depois de um empréstimo, ligam oferecendo refinanciamento ou a portabilidade, além dos empréstimos realizados sem solicitação. Os idosos são vítimas em todas as esferas. É importante pontuar que o superendividamento não é uma questão individual; é uma questão social. É preciso fazer essa reflexão, porque simplesmente exonerar a responsabilidade dos bancos é muito sério. Ninguém se endivida porque quer e muitas as situações que precisam ser enfrentadas”, destaca Amélia.
A defensora e supervisora do Nudecon, Rebecca Moreira, alerta para o uso de selfies enviadas por meio digital. “A defensora e supervisora do Nudecon, Rebecca Moreira, alerta para o uso de selfies enviadas por meio digital. “Muito cuidado com mensagens via aplicativo que chegam de pessoas que se dizem funcionários de banco, oferecendo empréstimos ou qualquer outro tipo de benefício e que fazem o requerimento de envio de selfie. Hoje em dia, selfie pode ser utilizada como assinatura digital que pode ser colocada em qualquer tipo de contrato que quem enviou a foto não está sabendo do que se trata”, pontua a defensora
Como ser atendido – Basta ir presencialmente ao Núcleo de Defesa do Consumidor que está localizado na rua Júlio Lima, 770 – bairro Cidade dos Funcionários. Atendimentos por agendamento, de segunda a sexta-feira, das 8 horas às 17 horas.
ONDE: rua Júlio Lima, nº 770, no bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza.
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