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Lei Maria da Penha: 17 anos de compromisso com a dignidade e a segurança das mulheres brasileiras 

Lei Maria da Penha: 17 anos de compromisso com a dignidade e a segurança das mulheres brasileiras 

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Neste dia 7 de agosto, há cerca de 17 anos, foi promulgada a Lei 11.340, mundialmente reconhecida como Lei Maria da Penha, o instrumento legal mais importante no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Considerada uma das três legislações mais avançadas do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU), a lei homenageia Maria da Penha Maia Fernandes. Em 1983, a farmacêutica cearense foi vítima de dupla tentativa de feminicídio pelo ex-marido, deixando-a paraplégica.

Após ser agredida diversas vezes pelo marido, Maria da Penha recorreu até a Organização dos Estados Americanos em busca por justiça e o Estado Brasileiro foi condenado a desenvolver uma legislação para a violência doméstica.

A partir deste símbolo de luta, a Lei Maria da Penha é a principal resposta contra um problema crônico do Brasil: a violência de gênero. A defensora pública Jeritza Braga, supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra e Mulher (Nudem) em Fortaleza, explica que o dispositivo foi essencial para conscientizar a sociedade sobre as formas específicas de violência doméstica, que podem ser compreendidas sob três diferentes aspectos: doméstico, intrafamiliar e afetivo.

O primeiro inclui as violações que acontecem na unidade doméstica mesmo por pessoas que têm ou não têm um vínculo familiar. “Por exemplo, uma secretária do lar que não tem vínculo familiar, mas mora na casa do agressor. E se este cometer qualquer um dos cinco tipos de violência [física, sexual, moral, psicológica e patrimonial], estará cometendo violência doméstica”, exemplifica a defensora pública.

O segundo aspecto da violência doméstica pode ocorrer no ambiente intrafamiliar, em que pais, tios, avôs e padrinhos podem virar protetores a agressores de meninas e mulheres, mesmo unidos por laços naturais ou por afinidade. A violência também atinge filhos(as) que acabam expostas ou convivem com as agressões às suas mães. De acordo com o estudo do Nudem, 71,04% das assistidas entrevistadas têm filhos com o agressor e 61% delas revelaram que os filhos presenciaram as cenas violentas dentro de casa.

Já a terceira situação se relaciona a relação íntima de afeto entre a vítima e o agressor, ou seja, entre namorados, cônjuges e parceiros em união estável durante e/ou após o relacionamento, coabitando uma mesma casa ou não. É nesse tipo de relacionamento onde as mulheres costumam estar mais suscetíveis a sofrer algum tipo de violência sexual.

“A violência sexual, onde o agressor, através de ameaça, de intimidação e coação, força a mulher a ter uma relação sexual não desejada. É também onde ele impede, proíbe a vítima de adotar os métodos contraceptivos, quando ela não quer engravidar e força ela a não tomar nenhuma medicação, não usar as preservativos,  justamente com o objetivo de que ela engravide ou, ao contrário, quando ele a força a cometer um aborto”, detalha Jeritza Braga.

Além da tipificação da violência, mecanismos inovadores de proteção foram criados, como medidas protetivas, ações de prevenção, grupos de suporte às mulheres e reflexivos para homens agressores, bem como um canal próprio de denúncias anônimas – o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher).

Atualmente, desde março com a sanção da lei 14.550/2023, as medidas protetivas de urgência são concedidas no momento que a denúncia for apresentada pela vítima na delegacia. “Antes desta atualização, era exigido no caso uma motivação de gênero. Precisava demonstrar a questão do crime ser praticado contra uma mulher em razão dela ser mulher ou da vulnerabilidade no caso da ofendida. O que a lei trouxe foi justamente a não mais necessidade de demonstrar essa violência de gênero. Com isso, alguns conflitos que antes serviam para descaracterizar essa questão do gênero, hoje em dia não podem mais”, pontua Jeritza Braga.

As mudanças também aconteceram no espectro da investigação e apuração dos crimes. Depois da lei, juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher foram estabelecidos em cada estado, penalizando mais seriamente os agressores e evitando o arquivamento dos processos.

Números de alarme

Ainda, mesmo com a existência da lei, o Brasil registra números alarmantes de violência contra mulheres. O Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública expõe que o país contabilizou 245.713 casos de lesão dolosa às mulheres em 2022  – sendo 1.437 deles casos de feminicídio. De janeiro até junho deste ano, foram 17 mulheres vítimas no Ceará –  ultrapassando a quantidade registrada no mesmo período do ano passado. Em relação a violência psicológica, onde o dano emocional é o principal efeito sentido pela mulher, o estado cearense se sobressai com o aumento de 100% nos casos de violência psicológica nestes últimos dois anos.

A recorrência da violência doméstica se tornou ainda mais clara durante a pandemia, quando o isolamento social foi obrigatório para a população, explica Jeritza Braga. “Mulheres passaram a conviver com seus agressores durante meses, vinte e quatro horas em casa. A violência aumentou muito. E o pior? Essas mulheres ficaram impedidas de buscar ajuda. Elas não podiam sair de casa e ir na delegacia para fazer uma denúncia. Por exemplo, foi um desafio fazer contato com nossas assistidas na pandemia. Muitas vezes quem atendia o telefone era o próprio agressor, situação em que obviamente não poderíamos nos identificar. Quando as mulheres atendiam, diziam que não podiam falar, disfarçavam. A gente percebia esse desespero em querer falar, mas sem poder”, complementa Jeritza.

A defensora pontua que o cerne da violência está no machismo, que hoje tem se perpetuado no pânico moral sobre as discussões de gênero, permitindo o avanço da violência. “A causa da violência doméstica é o machismo. Ser a ideologia de dominação que subjuga as mulheres colocam estas numa situação de vulnerabilidade e os homens se sentem à vontade para cometer as mais variadas espécies de violência”, afirma.

Rede de proteção 

Em 17 anos de vigência e 25 atualizações aprovadas, a Lei Maria da Penha ditou como estados e municípios podem atuar para garantir a efetiva aplicação da lei em seus devidos territórios.  As mulheres cearenses contam hoje com uma rede ampla de atenção e proteção, como o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, as Delegacias da Mulher no Ceará, a Casa da Mulher Brasileira, em Fortaleza, e as Casas da Mulher Cearense no interior em Juazeiro do Norte, Quixadá e Sobral.

A Defensoria Pública também se faz presente como agente de proteção dos direitos da mulher por meio do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra e Mulher (Nudem). Localizado em sete cidades diferentes, o Nudem realiza um trabalho integral de prevenção envolvendo mulheres vítimas de violência doméstica e repressão quanto aos agressores, além da orientação jurídica para outras demandas judiciais da esfera cível, como ações de divórcio, guarda, reconhecimento de paternidade, reparação de dano moral e material.

O grande objetivo do núcleo é ofertar um atendimento humanizado, no qual a mulher conheça os próprios direitos ou possa ter acesso a apoio psicossocial de qualidade.

“A grande maioria das nossas assistidas são mulheres pobres, pretas e periféricas, justamente as mais impactadas pela violência. O nosso papel é de extrema importância no combate e na repressão da violência na vida dessas mulheres”, explica Jeritza Braga, supervisora do núcleo em Fortaleza.