Mulheres buscam o direito à saúde: em 56%, elas recorrem à Defensoria para si mesmas e em 78% para um parente
Buscar pelo direito à saúde é um desafio já que a efetivação do direito fundamental esbarra, com frequência, em carências e dificuldades de acesso a medicamentos, consultas, exames, insumos médicos, procedimentos, internações e transferências tanto na rede pública, como em planos de saúde. A Defensoria Pública tem recebido as demandas de pessoas em situação de vulnerabilidade e buscado na solução extrajudicial a resolução da questão. Caso não consiga administrativamente, entra com uma ação judicial e aguarda que o poder judiciário possa sanar a pendência para aquele cidadão hipossuficiente.
Segundo dados trabalhados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas (Nuesp) da Defensoria Pública do Ceará (Nuesp), nos seis primeiros meses de 2019, de janeiro a junho, o Núcleo de Defesa da Saúde, em Fortaleza, recebeu 3.779 solicitações na área da saúde. Os pedidos mais recorrentes dos usuários estão relacionados a alimentação especial, fraldas, cirurgias, exames, procedimentos cirúrgicos mais complexos e medicação para pacientes oncológicos. A pesquisa revelou que os pedidos para ir a consultas médicas, realizar exames diversos e receber medicamentos correspondem a mais de 60% das solicitações.
Assim, dos 3.779 pedidos, 905 foram para realizar consultas (23,94%), 899 para realização de exames (23,78%), 554 são pedidos para medicamentos (14,65%) e 394 são para receber alimentação especial (10,42%). Há ainda pedidos para receber fraldas (347 solicitações, equivalentes a 9,18% do total), 224 para ter acesso a insumos médicos variados (5,92%) e 160 pedidos para a realização de cirurgias (4,23%). A pesquisa contabilizou ainda 93 solicitações para receber cadeira de rodas ou cadeira higiênica (2,46%), 84 pedidos para receber camas ou colchões hospitalares (2,22%) e 40 para receber aparelhos médicos (1,10%).
A Defensoria orienta que os solicitantes da rede pública realizem os laudos, diagnóstico (SID) e/ou solicitação de insumos, assinados por um médico do Sistema Único de Saúde. Segundo a defensora pública Karinne Matos, titular do Nudesa, a constante procura pela assistência jurídica do Núcleo pode ser atribuída a um conjunto de fatores. “As pessoas têm mais conhecimento dos direitos delas e os serviços são mais divulgados. A população também aumentou, com mais expectativa de vida e com necessidades de saúde das mais variadas possíveis, isso deságua numa quantidade maior de pedidos para que a Justiça solucione impasses gerados”, atribui.
São mulheres – Dentre os solicitantes há dois grupos: um é composto pelas pessoas que vão fazer a própria solicitação e outro por quem pleiteia o direito de um parente. Em ambos os casos, são mulheres, a maioria que busca pelo serviço. Durante o período monitorado pela pesquisa, 2.327 demandas recebidas no núcleo. Em 56,6% dos casos (1.317 demandas), foram elas que recorrem à Defensoria para si mesmas. Já quando o pedido era para um parente, das 830 demandas recebidas, em 78,55% (652 demandas) foram elas que buscaram pela assistência. Em relação à faixa etária, quando é o próprio assistido que vai até o núcleo, são os idosos quem mais procuram pelos serviços do Nudesa: 43,57% do público têm acima de 60 anos. Essa faixa etária muda quando vem um representante: 58,55% são adultos entre 35 a 59 anos de idade.
O Programa – Há três anos, a Defensoria Pública do Estado do Ceará, o Governo do Estado do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza mantêm um diálogo permanente para resolver de forma administrativa as demandas de saúde trazidas pela população. Trata-se do programa “Defensoria Em Ação por mais Saúde” que desde a sua criação, em maio de 2016, busca dar um retorno mais rápido à população.
Funciona assim: a pessoa procura uma unidade de saúde e, caso não possa receber o direito integral, tem sido orientada pelas equipes a procurar a Defensoria. Quando ela chega à instituição, em Fortaleza, é cadastrada. As solicitações daquele laudo médico são encaminhados ao Núcleo de Atendimento Inicial em Saúde (NAIS), que mantém sede na SESA e funcionários das Secretarias de Saúde do Estado e do Município. O prazo para esta equipe solucionar a questão é de até 10 dias úteis, evitando que a Justiça seja acionada. Caso a demanda seja provisória ou substitutiva, uma Câmara de Conciliação pode ser acionada para prover um entendimento entre o SUS e o paciente. Quando a demanda não é atendida de forma administrativa, os defensores do Nudesa entram com o pedido judicial.
“Quando criamos esse programa, sabíamos que não iríamos acabar com 100% da judicialização de ações na área da saúde, porque isso é impossível diante da complexidade dos casos que batem à porta da Defensoria. Mas hoje percebemos que estamos diminuindo consideravelmente o número de ações que a Defensoria Pública leva ao sistema de justiça por meio apenas de uma atitude simples, que foi a abertura do diálogo para uma solução mais rápida e mais eficaz para o cidadão. E isso altera toda a máquina pública. No final das contas, o Estado tem mais economia ao resolver o problema, sem precisar ser acionado pela justiça, e a pessoa que precisa da política de saúde, obtém de forma mais rápida seu direito”, defende Mariana Lobo, defensora pública geral à época da criação da parceria.
O projeto vem apresentando resultados expressivos. A pesquisa mostrou que de todas as 3.779 solicitações realizadas durante o primeiro semestre de 2019, 44,87% (1.696) foram resolvidas de forma administrativa. Nos casos das solicitações para consultas: das 905 solicitações, 807 (89,15%) delas foram atendidas por meio do diálogo. Dos 899 pedidos para realização de exames, 742 (82,55%) deles foram realizados. Já nos casos de cirurgias, das 160 solicitações, 94 (58,75%) foram atendidas após o diálogo entre os órgãos. No entanto, quando os pedidos são para medicamentos, apenas 12,28% dos casos são resolvidos na via administrativa. Esse número cai ainda mais quando as ações são para alimentação especial (das 394 solicitações, apenas uma foi atendida), fraldas (das 347 solicitações, apenas duas solicitações foram atendidas) e insumos médicos (dos 224 pedidos apenas três foram resolvidos de forma administrativa). “Quando chega a negativa do poder públicos, os defensores recorrem à judicialização. Além disso, todos os pedidos para receber cadeiras de rodas ou cadeiras higiênicas, cama ou colchões hospitalares e aparelhos médicos também são de forma recorrente judicializados”, explica Karine Matos, titular do Nudesa.
É o caso da comerciária Ana Maria Ferreira Almeida, 60 anos, que em todas as suas demandas no núcleo de Defesa da Saúde foi preciso judicializar. Há dois anos, ela entrou com ações no Nudesa para solicitar fraldas, medicamentos e, recentemente, retornou à Defensoria Pública para solicitar uma cadeira de rodas motorizada. “Não tenho condições de arcar com essas despesas. Minha renda é pequena e não posso pagar por essas coisas. O jeito é recorrer aqui e o núcleo da Defensoria sempre me acolheu quando eu mais precisei. Eu preciso de uma nova cadeira de rodas, porque essa aqui que estou, que também consegui por aqui, já não me serve mais”, lamenta Ana Maria, que é cadeirante.
Mesmo com a judicialização, a defensora Karinne Matos destaca a importância da atuação em conjunto das instituições. “Apesar de ainda haver situações em que os pedidos são judicializados, percebemos que houve uma queda no número de processos de judicialização, pois com essa cooperação estamos conseguindo atender muitas demandas administrativamente. O papel da Defensoria, frente ao sistema de justiça e ao poder público, ficou muito ressaltado com esta parceria, porque buscamos no diálogo assistir de forma mais célere o direito do assistido. E hoje o poder público tem conhecimento de que a Defensoria só tem judicializado questões, quando administrativamente não vai ser concedido”, destaca.
A auxiliar de limpeza Tânia Vieira da Costa Silva, de 58 anos, conhece bem esse caminho do diálogo. Esta era a terceira vez que ela procura a Defensoria Pública para acessar os serviços de saúde. Nas duas primeiras idas aos órgão, os pedidos eram para conseguir consultas com especialistas da área de ortopedia e reumatologia. Após conseguir os encontros médicos, os novos pedidos na Defensoria era para conseguir realizar os exames. “Fui no posto de saúde e deixei o meu pedido para ter consultas com esses médicos. Aí me colocaram para aguardar em uma fila sem fim. Uma demanda gigantesca. Me informaram que haviam pessoas que estavam nessa fila há um ano e que eu tinha que ficar indo lá todos os dias para cobrar. Mas isso não é certo, né? Eu disse que eu não tinha condições de esperar esse tempo todo não, porque cada dia, estou envelhecendo e adoecendo mais. Aí minhas vizinhas, me falaram da Defensoria, que tinham visto na televisão. Arrisquei vir pra cá e deu tudo certo”, conta Tânia.
Duas semanas após o primeiro atendimento, Tânia teve as consultas agendadas no Hospital Geral de Fortaleza e no Hospital Geral Dr. César Cals de forma administrativa, por meio do convênio entre Defensoria Pública e Secretária de Saúde do Estado. “Já fui pros médicos e agora eles pediram os exames. Tenho que fazer raio-x do tórax, bacia, joelhos. Os médicos me falaram que as máquinas estavam quebradas e que eu teria que pagar nessas clínicas de preços populares. Eles mal sabem que eu aprendi foi o caminho da Defensoria Pública. E se eu precisar voltar aqui para conseguir o medicamento, eu volto. Como é que eu vou pagar? Eu não sou aposentada, não tenho fonte de renda, trabalho fazendo meus bicos. Então, por quê vou pagar por uma coisa que eu sei que tenho direito?”, questiona Tânia.
Para pesquisadora e coordenadora do Nuesp, Grazielle Albuquerque, com a pesquisa foi possível conhecer detalhadamente das demandas da população relacionadas à saúde que chegam à Defensoria. “Com a pesquisa, tivemos um nível de detalhamento dos tipos de exames, consultas e os bairros do público que buscou a assistência no Nudesa. Esses dados são importantes para que políticas públicas nessa área possam ser mais eficazes. Já existe um caminho promissor criado para se tentar resolver a demanda de forma administrativa. O desafio agora é tentar expandir essa expertise”, destaca a pesquisadora.
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