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“O atendimento ao usuário é o sentido de existir da Defensoria”, destaca Merilane Coelho sobre desafios da próxima gestão da Ouvidoria Geral

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“Saio sabendo do papel da Defensoria, porque quando entrei aqui não sabia exatamente que instituição era essa. E nós não sabemos que instituição é essa, pois só procuramos a Defensoria quando temos alguma ação ou quando as violações batem a nossa porta. Não temos o hábito de construí-la diariamente e de defendê-la. A sociedade civil precisa exercer o seu papel no fortalecimento da Defensoria, tendo em vista o cenário desolador que as instituições promotoras e defensoras dos direitos humanos precisam enfrentar”. O tom é de despedida, mas o sentimento é de pertencimento. Esta é a fala da socióloga Merilane Pires Coelho, que deixa no próximo mês de agosto o cargo de Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado do Ceará. Foram dois mandatos consecutivos, quatro anos de lutas e de interlocução direta entre a instituição e sociedade civil.

O resultado do trabalho como Ouvidora se expressa também em números: o aumento de mais de mais de 45% no número de beneficiados diretamente, pulando de 893 atendimentos, em 2016 para 1.306 pessoas, em 2018. Um canal que se firma cada vez mais, diante do conhecimento que a comunidade passa a ter sobre o papel do ouvidor. Ela aposta que é preciso ir além. “Nosso grande desafio, enquanto Ouvidoria, é ampliar o nosso atendimento para todo o Estado”.

No próximo dia 26 de julho, haverá eleição para o cargo e as entidades que se cadastraram poderão indicar seus representantes ao Conselho Superior da Defensoria. A Defensoria é a única instituição do sistema de justiça cearense a contar com uma Ouvidoria Externa, sendo a voz dos movimentos sociais dentro da instituição. Prestes a encerrar o seu segundo mandato, Merilane faz um balanço dos projetos executados, bem como dos desafios. Para ela, o crescimento da Defensoria passa pela busca constante da melhoria do atendimento. “Precisamos que a Defensoria continue atuante e priorizando o atendimento humanizado, célere, nas demandas individuais e coletivas, com respeito às diversidades sociais, culturais, sexuais e religiosas”, afirma.

Confira a entrevista:

Como se dá o trabalho da Ouvidoria Geral no dia a dia?
Primeiramente, é bom destacar que a Ouvidoria é uma atividade política e técnica. Política porque é um cargo que representa a sociedade civil e os(as) usuários(as) da instituição, sendo a porta de entrada do(a) usuário(a) para a intervenção no aperfeiçoamento do atendimento e no desenvolvimento institucional da Defensoria enquanto instituição pública. É para isso que as Ouvidorias existem. A Defensoria Pública é a única instituição do sistema de justiça que possui uma Ouvidoria Externa. No Ceará, ela foi criada em 2010 e vem sendo pensada em duas linhas: de representação política e dinamização do atendimento individual e coletivo. O nosso principal foco é o atendimento e a criação de estratégias de ampliação do acesso à justiça para a população cearense, que é o sentido de existir da Defensoria. Precisamos que o caminho de um atendimento humanizado, célere, que respeite às diversidades sociais, culturais, sexuais e religiosas seja perseguido, e que os(as) defensores(as) e instituição continuem entendendo o seu papel na construção de uma sociedade mais justa.

IMG_1683Qual o diferencial de ter um Ouvidor Externo, advindo da sociedade civil?
Esta escolha evita qualquer tipo de corporativismo. Evita, por exemplo, que o usuário em atendimento chegue à Ouvidoria e, por algum motivo, a demanda que ele apresente não seja encaminhada na forma em que foi apresentada. Um outro ponto muito importante é que a sociedade civil tem a oportunidade de mexer nas estruturas da instituição, na forma como ela vem fazendo os seus atendimentos. Também temos representação no Conselho Superior da Defensoria Pública (Consup), a instância máxima da instituição. Temos assento junto a quem está gerindo a instituição, pautando a forma como ela propõe a sua atuação no Estado. Ao longo de quatro anos, levamos importantes debates ao Consup, como a criação de critérios de aferição de hipossuficiência, avaliação dos fluxos dos atendimentos especializados, atendimento móvel e nas comarcas do interior. Apresentamos a visão da sociedade sobre a instituição, para que a partir do Conselho Superior, ela reorganize sua atuação e apresente à população a eficiência do atendimento que ela precisa e deseja.

Qual o maior desafio no exercício da Ouvidoria Geral?
Nosso grande desafio, enquanto Ouvidoria, é ampliar o nosso atendimento para todo o Estado e sensibilizar as instituições do interior a acompanharem o trabalho da Defensoria nos seus municípios. Hoje, a Ouvidoria está em Fortaleza, fazendo atendimento presencial, por telefone, e-mail e internet (Portal Ceará Transparente). Com dificuldade, nos deslocamos até alguns municípios do interior quando surgem demandas graves, mas é muito difícil atuar em todo o Estado. A demanda em Fortaleza é muito alta. Em 2018, atendemos 1.306 demandas individuais. Destas, mais de 700 foram encaminhadas e respondidas em menos de cinco dias. Algo que exige muita dedicação e aperfeiçoamento da equipe cotidianamente.

Em 2018, como você pontuou, a Ouvidoria registrou 1.306 atendimentos, número que vem crescendo desde 2016. Como você avalia a evolução dos atendimentos?
O que temos observado é que esse aumento de atendimento se dá em questões de rápida resolutividade. Exemplo: um usuário que encontra dificuldade para agendar atendimento ou um usuário que chegou ao Núcleo e não tem mais senha, e ele precisa com urgência. São questões que a Ouvidoria consegue fazer encaminhamento, acionando internamente a própria estrutura da Defensoria. Notamos ainda uma diminuição nas reclamações relacionadas à atuação dos defensores, que advém dessa relação mais próxima entre usuário e defensor. Há muita solicitação de defensor público para as comarcas do interior em que a Defensoria ainda não atua, devido ao número de defensores(as) no Estado. O que exige da sociedade civil uma pressão junto ao Estado para a disponibilização de orçamento visando a ampliação do número de defensores(as) no quadro da instituição.

IMG_0494Nesses quatro anos, que experiências mais marcaram você enquanto Ouvidora Geral?
Tivemos experiências bem importantes da atuação da Ouvidoria. Uma delas foi o projeto Territórios Vivos em que fomos até oito comunidades com baixo Índice de Desenvolvimento Municipal (IDHM) de Fortaleza, entre 2017 e 2018. Elencamos as principais vulnerabilidades daquele bairro, ouvimos lideranças, dialogamos com moradores, aplicamos questionários sócio-territorial, tabulamos esses dados e apresentamos para a instituição, que planejou o atendimento itinerante do Projeto Defensoria em Movimento nos bairros atendidos pela Ouvidoria.

Outro experiência relevante foi no Parque Presidente Vargas, o segundo bairro mapeado do projeto Territórios Vivos em Fortaleza, onde mapeamos a situação da comunidade e vimos que os moradores apresentavam como maior vulnerabilidade a regularização fundiária da maioria das casas. São 150 ações de usucapião. A Defensoria está fazendo o atendimento dessas famílias, e a Ouvidoria intermediou um trabalho em parceria com projetos de extensão do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC) que envolve a construção coletiva dos memoriais descritivos e das plantas das casas. Isso culminou em uma parceria. A parceria também envolve um trabalho continuado de formação em cartografia social com os moradores para a construção coletiva do mapa social daquela comunidade, material que poderá subsidiar as ações de usucapião. Pela primeira vez, a cartografia social é pensada no âmbito de ações individuais no Estado.

Também implementamos a pesquisa de avaliação do atendimento em sete núcleos e defensorias especializadas que apresentaram algum tipo de complexidade na organização do fluxo. Seja ocasionada pelo aumento do número de pessoas ou por mudança no setor de triagem. Ao final de cada semestre, a Ouvidoria apresenta relatório sobre as questões apresentadas pelos(as) usuários(as) no formulário. Como não precisam se identificar, muitos(as) se sentem mais confortáveis para apontarem os problemas no atendimento da instituição.

Com que sentimento você encerra o segundo  mandato?
Saio sabendo do papel da Defensoria, porque quando entrei aqui não sabia exatamente que instituição era essa. E nós não sabemos que instituição é essa, porque só procuramos pela Defensoria quando temos alguma ação a apresentar ou quando as violações batem à nossa porta. Não temos o hábito de construí-la diariamente e de defendê-la. A sociedade civil precisa exercer o seu papel no fortalecimento da Defensoria, tendo em vista o cenário desolador que as instituições promotoras e defensoras dos direitos humanos precisam enfrentar. Ainda mais quando estão ameaçadas.

Você encerra o segundo mandato no dia 29 de agosto de 2019. O que você deseja para o(a) próximo(a) ouvidor(a)?
Desejo que tenha muito compromisso e que saiba trabalhar em equipe. Que consiga se aproximar dos movimentos sociais e ampliar a rede de parceiros que apoiam a Ouvidoria. Que se aproprie do cotidiano da instituição, com todas as dificuldades e potencialidades, e que consiga, assim, transformar esse cotidiano, reconhecendo que a nossa luta deve ser pela garantia da autonomia e fortalecimento da Defensoria. É muito importante que a sociedade civil continue acompanhando o trabalho da Defensoria, dos Defensores e Defensoras, para que ela continue trilhando o caminho de uma instituição forte e atenta às muitas desigualdades que mantém, ao longo da nossa história, as vulnerabilidades e injustiças do povo cearense.