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Planos de saúde agora são obrigados a fazer cirurgias de redesignação sexual; decisão do STJ é conquista para pessoas trans

Planos de saúde agora são obrigados a fazer cirurgias de redesignação sexual; decisão do STJ é conquista para pessoas trans

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Ilustração: Valdir Marte
Foto: Arquivo Pessoal/ Tarcísio Brito

Realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2010, as cirurgias de redesignação sexual agora também devem ser feitas por planos particulares. A decisão é do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e representa uma conquista importante para pessoas trans que desejam ser submetidas aos procedimentos.

“Mesmo com laudos comprovando a necessidade da cirurgia, os planos negavam a realização sob o argumento de que se tratava de procedimento estético. Isso é um flagrante caso de violação de um direito humano fundamental: o direito à identidade. Não se trata de estética e sim de algo essencial à formação de um aspecto físico para a pessoa se enxergar naquele gênero”, explica a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), Mariana Lobo.

Foi exatamente essa situação que suscitou a decisão do STJ. Uma mulher trans teve negada no Rio de Janeiro a cirurgia de transgenitalização e a implantação de próteses mamárias porque, de acordo com o plano de saúde, o primeiro procedimento tem caráter experimental e o segundo teria motivação estética. Relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi refutou as duas alegativas.

Para ela, o fato de as operações figurarem no rol do SUS e de o Conselho Federal de Medicina (CFM) ter resolução específica sobre a questão desde 2019 são atestos da eficácia dos procedimentos, que não podem ser reduzidos a questões estéticas. “Muito antes de melhorar a aparência, visa a afirmação do próprio gênero, incluída no conceito de saúde integral do ser humano enquanto medida de prevenção ao adoecimento decorrente do sofrimento causado pela incongruência de gênero”, declarou Andrighi.

Apesar de a decisão da Terceira Turma do STJ referir-se ao caso específico de uma mulher trans, a defensora Mariana Lobo explica que o entendimento pode ser aplicado a casos de homens trans que desejem ser submetidos à mastectomia e tenham o pedido negado pelo plano de saúde. No Ceará, por atuação da DPCE, um caso já foi julgado favorável ao paciente. A operação deve acontecer em maio. O músico Tarcísio Brito, de 27 anos, também receberá indenização pelo dano moral causado decorrente da não autorização. Ele deu entrada no pedido para realização do procedimento em 2021.

 

“Eu passei três anos sendo acompanhado por um endocrinologista. Tomo hormônios e tenho laudo dele, de psicólogo, de psiquiatra e o indicativo do cirurgião de que devo fazer a cirurgia. Mas a Unimed me negou inúmeras vezes e eu só consegui a autorização agora, depois que procurei a Defensoria em 2022 e levei o caso pra Justiça. O que a Unimed fez comigo é desumano! Sou cliente desde que nasci, quase nunca uso o plano e preciso batalhar por um direito meu? Não dá pra eu viver assim. Eu sofro transfobia na rua”, revela Tarcísio Brito.

 

O jovem rebate a tese do plano de saúde de que a mastectomia masculinizadora é uma questão estética. “Não é uma questão estética! É frustrante meus colegas estarem se divertindo na piscina e ter que ficar vendo de longe. Ou querer sentir o mar batendo no meu peito e não poder fazer isso. Meu sonho é sair na rua sem camisa. É um sonho bobo, mas é a liberdade que eu almejo. Em vez disso, estou há mais de dois anos sofrendo e ganhei dez quilos por causa disso, de tanta ansiedade e transfobia que sofro. Fiquei deprimido”, relata.

Para passar por um processo transexualizador, é preciso ser maior de 21 anos e ter tido acompanhamento clínico e hormonal por, pelo menos, 24 meses. No caso de mulheres trans, a cirurgia de transgenitalização não é ofertada pelo SUS em todos os estados. Atualmente, só oito Unidades da Federação dispõem do serviço. São elas: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Sul, Pará e Bahia.

Ou seja: no Ceará e em outros 21 estados brasileiros e Distrito Federal, isso reduz o acesso ao procedimento aos planos de saúde particulares. Daí a importância da decisão do STJ. “Não fazer a cirurgia é algo que afeta diretamente a sociabilidade de uma pessoa trans que deseja ser submetida ao procedimento. Porque ela se olha no espelho e não se enxerga naquele corpo. Então, se é importante pra ela fazer a operação para firmar a identidade de gênero dela, não é uma mera questão estética. É algo que influencia nas relações sociais e afetivas dela, na autoestima e até no risco de ela sofrer algum ataque na rua. Afinal, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo há 14 anos consecutivos”, finaliza a defensora pública Mariana Lobo.

SERVIÇO
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