Posso ajudar?
Posso ajudar?

Site da Defensoria Pública do Estado do Ceará

conteúdo

Idosos: a responsabilidade é de quem?

Publicado em

idoso
“Admiro a juventude não querer envelhecer,
Velho ninguém quer ficar,
Novo ninguém quer morrer,
Só é velho quem vive,
Bom é ser velho e viver.”
(Poeta popular Oliveira das Panelas)

Os versos populares já sinalizam: ninguém quer ficar velho. Mas, o tempo é inexorável, não volta atrás e ninguém consegue deter seu próprio relógio. Dados apontam que podemos viver em média até os 76 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E nem tudo são flores quando se fala em definição de responsabilidades entre familiares no cuidado dos idosos.

Primeiramente, é bom que se diga quem é o idoso de hoje em dia. Pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), idoso é toda pessoa com idade igual ou superior a 60  anos, cabendo à à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público a obrigação de ampará-los, assegurando efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Daí, quando chega o impasse sobre estes cuidados, podem começar novos conflitos em família.

A aposentada Mila Câmara, 86 anos, é independente e nesta idade, a situação já preocupa as filhas. Segundo a filha mais nova, Alessandra Câmara, ela cuida da própria rotina, mas tem ficado mais perigoso administrar, desde a questão da violência – como ir a banco ou comércios sozinhas – como nos afazeres de casa. As cinco filhas são unânimes: a mãe precisa de uma tutora, alguém que administre o seu cotidiano, mas a questão é que a idosa reluta quando assunto é tirar sua autonomia. “O problema é que ela está lúcida, quer fazer as coisas sozinha e não quer ninguém em volta. Temos medo, porque ela dirige, vai ao banco, ao mercado, toma remédios e não aceita ajuda. Precisamos de alguém para este cuidado com as coisas práticas e que podem tornar-se perigosas como dirigir, mas hoje ela ainda não tem aceitado bem a ideia de perder sua independência”, afirma.

Já o idoso Gerardo Monteiro, 74 anos, aposentado e com complicações após um Acidente Vascular Cerebral (AVC) tem um contexto diferente. Totalmente dependente de terceiros, dos sete filhos apenas uma vem se dedicando aos seus cuidados. Maria Gama, 48 anos, desempregada, tem se desdobrado nos cuidados do seu pai, desde dezembro do ano passado. Antes disso, ele foi tendo um quadro de piora que gerou um dedo necrosado e, posteriormente, a amputação da perna. “Decidi que iria ampará-lo, mesmo tendo consciência da responsabilidade e compromisso que cuidar dele exigiria. Me sentir muito triste de ver que meu pai estava praticamente abandonado, parei de trabalhar, abri mão da minha vida para me dedicar a ele. Infelizmente, caso como o do meu pai não é primeiro e nem será o último. As famílias não se unem para o cuidado do idoso, mesmo quando se tem irmãos, somente um dos filhos acaba ficando com toda responsabilidade. Espero, pelo menos, não encontrar empecilhos com minha família para aceitação da curatela, pois eu tenho amor e quero seguir cuidando do meu pai até quando Deus permitir”, declarou.

Nos termos jurídicos, a curatela é a função atribuída pela Justiça, para que um adulto proteja, zele, guarde, oriente, responsabilize-se e administre os bens de pessoas declaradas judicialmente incapazes. Não é o caso de Mila, cuja a família terá que convencer a mãe dos cuidados sem necessitar de uma interferência oficial da justiça, mas já se enquadra para a realidade de Gerardo que se encontra incapacitado de gerir sua vida. “Muitas vezes, chegam aqui querendo dar entrada na curatela, mas a pessoa a ser curatelada ainda está ativa e lúcida. Nessa situação não cabe esta ação. A curatela é apenas uma das ações que a família pode pleitear na Justiça, mas para isso é preciso provar, através de laudo médico, que o curatelado está em uma condição incapacitante”, explica o defensor  Daniel Leão, supervisor do Núcleo do Idoso.

O Núcleo do Idoso da Defensoria Pública realiza diariamente atendimentos em temas diversos, que vão desde a ação de alimentos até revisão previdenciária do benefício de aposentadoria. Em 2018, foram 4.045 procedimentos realizados, entre audiências, visitas e atendimentos individuais. Dentre as ações mais solicitadas pelos assistidos, alvarás, curatela, alimentos, inventário e usucapião.

Quando não existe acolhimento por parte da família – Uma das palavras mais temidas em todas as idades, mas que chega de forma implacável quando se fica velho: o abandono. Carrega não apenas a tristeza e a solidão, mas é tipificada como crime, previsto no Estatuto do Idoso e no Código de Processo Penal, com direito a agravantes e inclusive indenização. “Quando visitei uma instituição de longa permanência, me deparei com uma situação de uma senhora de 94 anos que vivia cuidando de bonecas e cada uma tinha o nome de suas filhas. Ela transmitia esse afeto para as bonecas, lembrando-se da família. Um abandono afetivo muito claro que já somavam 20 anos e que comprova os transtornos ocasionados pela ausência do relacionamento familiar”, relembrou o defensor Daniel Leão, supervisor do Núcleo do Idoso.

Diante das subjetividades encontradas dentro das histórias dos núcleos familiares, para chegar ao diagnóstico de abandono é preciso avaliar as entrelinhas. O defensor público destaca que o abandono da pessoa idosa caracteriza uma violação de uma norma penal, considerada crime, além de desobedecer a uma norma civil, já que existe o dever de amparar o idoso está garantido constitucionalmente. “É preciso ouvir, realizar uma anamnese do caso apresentado para então identificar. O que mais conseguimos perceber durante os atendimentos é o abandono material, onde o idoso não tem condições de sobrevivência, de se manter sozinho e não recebe nenhum suporte sendo assim totalmente negligenciado”, aponta.

O cuidado com o bem-estar do idoso é um dever e não opção. A negligência com a subsistência da pessoa com mais de 60 anos de idade ou a ausência de cuidado pode gerar processo, já que o Estatuto do Idoso estabelece que é crime expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições degradantes ou privando-o de cuidados indispensáveis, podendo ocasionar detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa. “As famílias precisam se reorganizar e se empenhar no cultivo de atitudes que produzam a valorização da pessoa de terceira idade, indo além do contexto que remete às obrigações, mas perceber que a velhice é uma via de mão dupla que alcançará todos nós e, sendo assim, fazer pelo outro é fazer por si”, frisa a coordenadora do setor Psicossocial da Defensoria Pública, Andreya Arruda.

Ela explica que o setor psicossocial da Defensoria Pública, ao receber uma demanda vinda de um defensor, avalia cada caso, conforme sua especificidade. “Buscamos conhecer a história, orientar e sensibilizar o assistido sobre suas responsabilidades e, principalmente, demonstrar a importância do vínculo ser mantido. Já atendemos situações em que havia a negligência, mas que a partir do conhecimento mais detalhado do caso, observamos um cenário familiar completamente dilacerado. Assim, podemos enxergar um abandono que acontece em decorrência de uma relação familiar quebrada, machucada. Em circunstâncias como esta trabalhamos na sensibilização sobre a quebra de padrões de comportamento, cativando um olhar de cuidado. Mas, os contextos com os quais nos deparamos nas demandas diárias são cheios de especificidades e é necessário uma escuta criteriosa para conduzir o caso da melhor maneira possível”, esclarece.

Outro contexto é onde idosos assumem a função de cuidar de outros idosos mais velhos ou mais debilitados. Geralda Almeida, 74 anos, aposentada, vem de uma família com seis irmãos, dentre eles, Maria de Almeida, 64 anos, uma idosa com diagnóstico de epilepsia que acaba requerendo uma atenção maior por parte da família. Apesar da idade, Geralda se considera capaz e com bastante vigor para cuidar da sua irmã. “Quero cuidar dela. Vou formalizar o pedido para que eu seja sua responsável legal. Peço sempre força e saúde para continuar com essa missão. É muito doloroso vermos idosos abandonados. Nas visitas que faço em abrigos e até mesmo na minha rua, vejo pessoas que não recebem nenhuma visita, ficando totalmente desprezadas. Não compreendo como os familiares não se doem com esse descaso”, enfatizou.