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“A gente não se conforma com a injustiça. É mais difícil de conviver com ela do que com a perda”

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napausa
A garantia de direitos é papel fundamental da Defensoria Pública. Ampliando o tema, o #NaPausa contou com a presença da juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Andréa Pachá, e da defensora pública e supervisora da sede da Defensoria Pública em Sobral, Emanuela Vasconcelos Leite, em um bate papo sobre “Acesso à justiça: Defensoria e Pandemia”.

O acesso à justiça é um problema que precede o momento de pandemia, como define a juíza Andréa Pachá, sendo um problema crônico no Brasil. “É um indicador da densidade da nossa democracia. Essa idealização de sociedade onde todas pessoas tenham acesso a direitos iguais é uma fantasia. A desigualdade integra a nossa convivência social e não é disso que se trata a restrição ao acesso, mas sim sobre a garantia do acesso. Quando se aborta o acesso aos direitos, a democracia é relativizada. Sem a Defensoria Pública, para buscar a efetividade desses direitos, a maior parte da sociedade nem saberia que tem direitos”, pontua Andréa.

A juíza discorreu sobre momento atual em que tem que se conviver com as dores e tristezas, potencializadas pela pandemia. “Os enterros sem luto, como se  pessoas estivessem simplesmente desaparecendo, velórios sem abraços, a dificuldade da pessoa estar junta na hora da dor, tudo isso fortalece um processo de desumanização. Vai ser muito difícil sair disso, mas vamos ter que enfrentar e juntar os cacos”, discorreu. Para ela, “a gente não  se conforma com a injustiça, é mais difícil de conviver com ela do que com a perda, pois a perda faz parte da condição humana, a injustiça não. Tudo isso se potencializada pela desigualdade: então essa realidade não só fica triste como também revoltante”.

Durante a pandemia para assegurar o acesso à justiça a difusão da informação tem sido a maior aliada. A defensora pública Emanuela Leite explica que desde a determinação do isolamento social, a Defensoria não parou nenhum dia, adequando todo atendimento para o meio remoto e afirma que fortalecer este fluxo requer esforços. “Começamos a divulgar por vários canais disponíveis – site, instagram, facebook, mas o fato é o nosso público demorou a conseguir ter acesso à informação: como conseguir o atendimento durante o teletrabalho. Sempre recebia notícia que os assistido estavam indo à sede, mesmo com os cartazes que deixamos explicando. É um processo difícil, mas que está dando certo aos poucos”, disse.

Ela lembra como a presença física é diferenciada, mas da necessidade de reencontrar meios de demonstrar a humanidade no teleatendimento. “Quando faço os atendimentos por videoconferência ou chamada de vídeo, considero como fazer uma visita, você tá chegando na casa da pessoa, no espaço dela e a troca de empatia e respeito nesse momento é muito importante e faz a diferença. Atuamos para proteger coletividades, prevenir conflitos e educar em direitos – uma ampla frente de trabalho que nos coloca agora mais esse desafio e temos que enfrentar”, disse a defensora.

Com o distanciamento social, as telas (de celulares, computadores e televisores) são janelas de enxergar o mundo: é por elas que as informações chegam, em grande volume, em curto espaço de tempo. “O whatsapp traz milhares de informações e, infelizmente, estamos rodeados de fakenews. É preciso fazer uma reflexão crítica de todo esse conteúdo que recebemos para nos proteger. Mas, o problema é que, quando isso não é feito, acaba aniquilando o direito fundamental do cidadão, além de ele permanecer desinformado. A comunicação precisa ser ainda mais objetiva e clara, pois muitas pessoas, principalmente as mais vulneráveis, só conhecem a justiça que aprisiona, não conhece a justiça que garante direitos. Por isso, não se percebe como cidadã que tem direitos fundamentais. Essa naturalização da ausência dos direitos faz com se considere um subcidadão e, consequentemente, aceite essa condição”, pontua Andréa.

Para a defensora pública Emanuela Leite a educação em direitos é essencial porque liberta e emancipa. Andréa Panchá também fortalece a importância do comprometimento com o cidadão. “Tenho uma experiência de 25 anos de magistratura e nesse tempo nunca abri mão do dever de informar. A educação, a cultura e o acesso à justiça nascem na mesma raiz: a humanidade. Temos que estar atentos que o destinatário do nosso trabalho é o ser humano”, esclarece.

A conversa discorreu sobre os aspectos que  ampliam esse abismo e dificuldade de acesso, reafirmando o fortalecimento da Defensoria como “porta que garante o acesso do cidadão. Quem trabalha na vida na pública tem que compreender a sua responsabilidade com a sociedade. Inevitavelmente nos tornamos responsáveis pelo destino daquele que nos acessa e tem direito aos nossos serviços. Eu só desejo que a Defensoria continue fazendo a diferença e lutando por um país que seja verdadeiramente inclusivo”, afirma Andréa.

O outro lado da pandemia – Para as debatedoras, a pandemia também tem aspectos positivos a considerar, a exemplo da quebra da burocracia. “Nada tem um lado só ruim. A necessidade de simplificar o andamento das coisas mostrou que é possível abreviar a burocracia quando se tem vontade de encontrar soluções”, discorreu a juíza. Em paralelo a defensora destaca a necessidade de fortalecer a atuação extrajudicial, cultivar vínculos com as redes de apoio, o diálogo em busca de soluções. “A Defensoria Pública tem levantado essa bandeira e é muito importante esse entendimento de que devemos buscar construir acordos consensuais mostrando para os assistidos que eles têm voz e podem ser partes atuantes em seus processos, bem como na resolução de problemas por vias administrativas favorecendo o desenvolvimento de políticas públicas”, enfatiza.

Para Andréa a distância que o cenário atual impõe é muito dura para quem está acostumada a sentir as pessoas. “Ainda bem que temos essas possibilidades de comunicação e exposição do afeto ainda que seja por meio virtual. A minha torcida é para que essas transformações colaborem para um mundo mais ético e solidário que compreenda que sem a cooperação e solidariedade não temos como sobreviver”, finaliza.