Atendimentos na Defensoria em Movimento são majoritariamente femininos e têm alta taxa de resolutividade das ações
São as moradoras dos bairros que apresentam o menor Índice de Desenvolvimento Humano de Fortaleza e de algumas cidades do interior do Estado que buscam seus direitos na Defensoria em Movimento – projeto da Defensoria Pública do Ceará que vai aos bairros e municípios atender à população. Mulheres (73,23%) com faixa etária entre 26 a 37 anos (43,44%), buscando ações de direito de família (72,72%).
O recém criado Núcleo de Estudos e Pesquisas da Defensoria Pública do Ceará monitorou os números de atendimentos no primeiro ano da Defensoria em Movimento, de novembro de 2017 a novembro de 2018. Durante este período foram realizados 3.133 procedimentos, que incluem orientações jurídicas (1.107), atendimentos extraprocessuais (1.022) como, por exemplo, o envio de ofícios a outras instituições, solicitando documentação para se judicializar uma determinada demanda, ações de educação em direitos (806), como palestras, rodas de conversa e audiências públicas, além dos atendimentos individuais que geraram novos processos judiciais (192).
Além disso, surpreende a alta taxa de resolutividade das ações judiciais. Das 192 ações iniciadas durante o atendimento no Defensoria em Movimento, a pesquisa mostrou que 92 foram concluídas com sentença final em primeira instância, em até 20 meses, o que representa uma resolutividade de 47,91% nas ações judiciais. Desses processos sentenciados, 33 deles (34,7%) tiveram suas sentenças proferidas no período entre 5 a 8 meses. Levando em consideração o relatório Justiça em Números de 2018, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o tempo médio de tramitação de um processo na justiça comum é de aproximadamente dois anos e seis meses, o projeto sinaliza êxitos importantes a serem aprofundados.
Responsável pela pesquisa, a jornalista e cientista política Graziele Albuquerque destaca que os dados consolidam situações vistas na prática. “Vemos na Defensoria em Movimento algo que se reproduz em outros projetos: a prevalência da figura feminina em busca dos seus direitos, sobretudo na área de família. É claro que é muito inicial pra gente já pensar em um recorte de gênero ao se tentar verificar quem procura o órgão, sobretudo nas ações diárias de família, mas esse é o primeiro passo para que a Defensoria comece a fazer um cruzamento de informações e possa ajudar na implementação de políticas públicas ou outras pesquisas para tentar qualificar essas informações. O mais importante em tudo isso é essa iniciativa da Defensoria Pública em buscar entender quem é esse assistido e depois poder trabalhar os dados para que a instituição possa guiar novas ações”, explica.
“Essa pesquisa mostrou a grandiosidade que o projeto pode alcançar, transformando esses números de resolutividade das ações judiciais em um trabalho muito maior, de estabelecimento de vínculos em uma comunidade. Depois de uma primeira intervenção em um determinado distrito, as pessoas passam a procurar mais a instituição. Foi o que aconteceu por exemplo em Cascavel. Visitamos o distrito de Caponga, que é uma região de praia, onde as pessoas vivem em torno da pesca e do turismo, mas que não procuravam a Defensoria, mal sabiam direito para que servia a instituição. E hoje, as defensoras de Cascavel são constantemente procuradas pela população de Caponga. Isso é a criação de um vínculo, foi estabelecida uma referência, de que se existe um problema, você pode procurar a Defensoria”, complementa Mariana Lobo.
Devido a importância do projeto, a atual administração da Defensoria regulamentou o projeto Defensoria em Movimento na Instrução Normativa 63/2019 com o objetivo de formalizá-lo como uma política institucional permanente e transversal, com vistas a concretizar o acesso à justiça das populações vulneráveis em todo o estado do Ceará, com foco nas comunidades tradicionais, do campo e dos grandes centros urbanos.
A norma estabelece ainda metodologias que devem ser seguidas como o atendimento integral, humanizado e rápido em todas as áreas de atuação da Defensoria Pública, a escuta ativa e qualificada das demandas individuais e coletivas dos territórios, favorecendo espaços de formação e construção política aos assistidos, a educação em direitos como instrumento de construção da cidadania e transformador de realidades, a articulação interinstitucional e política como ferramenta prioritária de resolução das demandas, judicializando-se quando for imprescindível.
“A Defensoria em movimento é um projeto vivo e dinâmico. Por isso fizemos a instrução normativa para sinalizar que ele não é um mero atendimento itinerante, porque o atendimento itinerante sozinho todo mundo faz, mas o Defensoria em Movimento é muito maior do que isso”, destaca Mariana Lobo.
Conheça a Prática – Percebendo que uma das barreiras para o efetivo acesso à justiça é o deslocamento urbano até as sedes de atendimento, a Defensoria Pública do Estado do Ceará elaborou, em 2017, o projeto Defensoria em Movimento que leva justiça e educação em direitos a quem reside nos bairros de Fortaleza. Fruto de uma demanda da população no Orçamento Participativo, a proposta visa o atendimento não fique preso às sedes e possa se deslocar até os bairros e centros afastados.
“Muito além do que o simples atendimento de demandas, depois de quase dois anos de atuação, os dados mostram que a Defensoria em Movimento se propõe a ser um projeto de enraizamento da instituição. a atuação viabiliza uma maior proximidade dos defensores com a sociedade. Não é apenas um atendimento itinerante, mas um movimento consciente de aproximação da instituição com as comunidades mais vulneráveis e afastadas dos grandes centros”, define a idealizadora do projeto, a defensora pública geral, Mariana Lobo.
A infraestrutura trata-se de um caminhão climatizado para o atendimento à população com cinco estações de computadores e tenda para 120 pessoas. Nos primeiros anos de atuação, a Defensoria em movimento circulou por bairros da Capital Fortaleza com menor Índice de Desenvolvimento Humano e em distritos de municípios do interior do Estado.
De acordo com defensora geral, a ação é um projeto de expansão dos serviços. “Ele reafirma a nossa identidade e a nossa razão de ser. É um projeto que coloca para a sociedade os propósitos da Defensoria Pública, para quê e para quem ela existe, com uma dimensão simbólica muito grande, porque o caminhão é enorme e quando ele chega na comunidade, ou em alguma localidade do interior, ele já alcançou o imaginário das pessoas. Com o projeto, nós reafirmamos uma postura de uma Defensoria ativa, que está do lado das pessoas e que pode ser provocada a qualquer momento”, explica Mariana Lobo.
Agora sim, divorciada
Em novembro de 2017, a costureira Maria Fernandes dos Santos, 50 anos, viu o caminhão da Defensoria a três ruas da casa, no bairro Canindezinho. “Eu fui saber do que se tratava e me explicaram que caso eu tivesse alguma pendência na justiça, era só eu levar a documentação para dar entrada na ação. Eu casei em 2005, tive um filho, mas o meu marido ganhou o mundo e sumiu, desapareceu. Ninguém soube dizer aonde ele estava, o que havia acontecido. E por 17 anos eu vivi assim, só com o meu filho. Aí aproveitei que o caminhão estava quase na porta de casa, reuni a documentação e entrei com o pedido de divórcio, já que eu não vivia mais com ele há tanto tempo”, conta Maria Fernandes.
Caso ela estivesse com a outra parte no dia do atendimento, o divórcio poderia ter sido realizado de forma consensual e sairia na mesma horas. Mas como o paradeiro do marido era incerto, foi preciso judicializar. Em menos de um ano, saiu a decisão do juiz averbando o divórcio. “Minha filha, que alegria. Graças a Deus. Agora eu vou voltar a usar meu nome de solteira, mudar toda a minha documentação e resolver a minha vida, com esperança pra recomeçar, porque isso me levava a um passado que eu quero esquecer”, comemorou Maria.
Não imaginei que seria tão rápido
A funcionária pública Alice Machado de Queiroz, de 56 anos, não perdeu tempo quando soube que a Defensoria Pública estaria na porta do seu trabalho, no bairro Henrique Jorge, em Fortaleza. Ela reuniu toda a documentação para entrar na justiça e pedir que a sua mãe, Luzanira da Silva Machado, de 90 anos, fosse inserida como dependente e beneficiária no plano de saúde do Estado, o Instituto de Saúde dos Servidores do Estado (Issec).
Alice foi atendida no dia 30 de agosto de 2018, quando o projeto Defensoria em Movimento esteve no bairro Henrique Jorge. O defensor público Eduardo Villaça foi quem fez o atendimento e o pedido judicial para que fosse concedida a tutela provisória de urgência determinando que o Issec incluísse Luzanira na lista de dependentes de Alice. O pedido foi deferido no dia 4 de setembro, pelo juiz da 2a Vara da Fazenda Pública, Francisco Chagas Barreto Alves.
Com a decisão, Alice deu entrada no procedimento junto ao plano para incluir o nome da mãe como dependente. “Eu não tinha ideia de que o serviço realmente ia funcionar. Eu pensava que ia demorar demais ou que iam me encaminhar para outro lugar, mas me surpreendi positivamente quando soube que o juiz já tinha autorizado a minha solicitação. Eu acho que essas ações da Defensoria, de ir para os bairros mais distantes, atrás daqueles que realmente não têm como buscar por atendimento, devem ser prioridade, porque o defensor deve ficar cada vez mais perto da comunidade”, afirma.