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Ceará tem 166 crianças e adolescentes para adoção e mais de mil pretendentes a pais/mães; Defensoria atua nos processos

Ceará tem 166 crianças e adolescentes para adoção e mais de mil pretendentes a pais/mães; Defensoria atua nos processos

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Mutirão nos dias 4 e 5 de junho vai orientar quem deseja adotar uma criança (ou mais). A legislação atual superou a ideia de que apenas famílias heterossexuais podem entrar na fila. Mães/pais solo e casais homoafetivos também têm direito. Saiba mais sobre o tema e conheça histórias de quem já vive esse tipo específico de amor

Texto: Bruno de Castro
Ilustração: Valdir Marte

“É essa a minha ideia de amor.
Salvar alguém desse mundo que mói as pessoas.
Salvar um coração. Dar a ele inteiramente o meu.
Apoiá-lo e segurá-lo, aconteça o que acontecer.”
Abdellah Taïa, na página 52
do livro “Aquele que é digno de ser amado”

 

Houve um tempo, em um passado não muito distante, no qual adotar um filho no Brasil resultava de um pacto silencioso entre quem entregava e quem acolhia o adolescente ou a criança. O registro civil era feito em nome da nova família e quase sempre aquilo seguia como um segredo de Estado. Tudo à revelia da lei.

Herança dos tempos coloniais, esse hábito sobreviveu a séculos. Entranhou-se no tecido social de uma forma que se tornou prática cultural a ponto de ser chamada de “adoção à brasileira”. Hoje, porém, é considerado crime. Está no artigo 242 do nosso Código Penal, que prevê pena de prisão de até seis anos.

Por lei, toda adoção deve ser feita, obrigatoriamente, com o aval do Judiciário – o que só ocorre em duas situações: quando a mãe entrega voluntariamente o/a filho(a) para este fim e quando, após ter direitos violados, essa criança ou esse adolescente é retirada(o) do ambiente onde vive, levada(o) para abrigo público, destituída(o) do vínculo familiar pela Justiça e cadastrada no Sistema Nacional de Adoção (SNA).

Ambos os cenários constam no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e serão o ponto de partida dos atendimentos feitos pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE) nesta terça (4/6) e quarta-feiras (5/6) no mutirão Adoção: uma decisão legal. Trata-se de uma força-tarefa para orientar quem deseja ser a nova família daqueles que esperam por uma e quem deseja regularizar situações antigas, nos moldes da “adoção à brasileira”, e tem postergado isso.

“Abandonar, que é ilícito, não se confunde com ‘entregar’ um filho menor de 18 anos para adoção. Neste último caso, a mulher pode acionar a justiça. Isso não constitui crime nem vai resultar em nenhuma punição ou represália a essa mulher”, diferencia a defensora pública Nadinne Callou, que idealizou em Juazeiro do Norte o projeto “Cegonha – Mãe Ciente, Adoção Eficiente.”

Com ele, a DPCE atua, desde 2019, em parceria com a Vara da Infância e da Juventude de Juazeiro do Norte, no sentido de acolher, compreender e propiciar à mulher que deseja entregar voluntariamente o(a) filho(a) à adoção toda a orientação necessária à tomada dessa decisão. “Em se confirmando o interesse da entrega, após o acompanhamento da equipe psicossocial e jurídica, e não existindo ou se tendo interesse no acionamento de outros familiares da criança, esta será disponibilizada aos pretendentes que aguardam na fila do cadastro nacional de adoção. Tudo de maneira segura e sigilosa”, acrescenta Callou.

NÚMEROS E PERFIL MÉDIO
Seja pela entrega voluntária à justiça ou pelo afastamento da família biológica em decorrência da violação de direitos, o Ceará tem hoje 166 crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Por outro lado, acumula 1.097 pretendentes*. Uma conta, portanto, que não fecha. E cujo motivo é preocupante: a maioria desses pretendentes sinaliza ao SNA o desejo de adotar crianças com, no máximo, três anos, do sexo feminino e brancas. Quase 70% das crianças aptas para adoção no Brasil, porém, têm mais de oito anos. E são negras.

Atuante em Fortaleza no Núcleo da Infância e da Juventude da DPCE, a defensora Noêmia Landim avalia: “existe uma ideia na nossa cultura de que meninas são mais fáceis de educar, se adaptam melhor, são mais fáceis de lidar, são mais dóceis. Então, a adoção de meninos mais velhos não acontece tanto. Mas é preciso dizer que essa decisão exige muita responsabilidade. A adoção é um projeto de vida. Nós já nos deparamos com crianças que foram devolvidas. Isso traz inúmeros prejuízos emocionais e quem devolveu tem que pagar indenização pra ela. É preciso que os pretendentes tenham noção da responsabilidade que eles assumem quando adotam.”

Não se descarta também a demora na tramitação dos processos até ocorrer a destituição do poder familiar, que é quando a criança entra no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). A defensora Aline Marinho, também atuante na área em Juazeiro do Norte, classifica como necessária toda a burocracia existente antes de a criança ou o adolescente ser disponibilizado para adoção. Por lei, no caso de violação de direitos, a adoção é a última opção. O ECA estabelece que o vínculo biológico seja preservado, mesmo sendo a “nova” família algum avô, tio ou primo, por exemplo. Ela ressalta: o que está em jogo é, sobretudo, o interesse da criança ou do adolescente.

“É um relacionamento que vai surgir. Se a gente não vincula essa criança com pessoas comprometidas, o prejuízo pra ela é enorme. Já tivemos caso de a própria criança pedir pra voltar pro abrigo, porque era mal cuidada. E outro, de um servidor público, um homem acima de qualquer suspeita, que começou a abusar do adolescente, o próprio adolescente contou ao psicólogo o que estava acontecendo e a gente trouxe de volta. Então, a burocracia tem que ter. Pra evitar ao máximo que essas situações aconteçam. E, ainda assim, acontecem”, afirma Marinho.

Apesar do avanço legislativo sobre adoção nas últimas décadas, ela analisa que o SNA ainda é pouco conhecido pela população – o que faz a “adoção à brasileira” ser um mito ainda forte. “Muita gente desconhece que só adota se for cadastrada, que precisa fazer um curso de formação, que existe um acompanhamento. Muita gente acha que dá pra dar o ‘jeitinho brasileiro’, que é só pegar uma mulher grávida que não quer a criança e ficar com ela. A gente ainda se depara com criança que está com a família há dois, três anos… Mas hoje, por lei, tem que ter cadastro”, sublinha a defensora.

 


ACREDITAR NA HISTÓRIA

Como colaboradora da DPCE no Cariri, a psicóloga Aparecida Leandro atua em casos de adoção. E alerta: “é preciso acreditar na história. Acreditar que o amor é mais forte do que o destino. Mais forte do que a hereditariedade. Adotar é um ato de amor, mas também de muita responsabilidade e muito cuidado. Porque a criança também tem a trajetória dela. Ninguém é uma página em branco. Então, é preciso ter um pouco de paciência para construir uma nova história. Elas precisam de tempo. De adaptação.”

Em Juazeiro, cerca de 50 pretendentes estão cadastrados para nove crianças/adolescentes disponíveis à adoção. Mais uma conta que não fecha. No Ceará todo, 81 estão com processos de adoção em andamento. Desde janeiro de 2019, quando o SNA foi criado, o estado contabiliza 493 crianças e adolescentes adotados. O Brasil tem 5.674 menores de 18 anos à espera de um novo lar e 36.260 pessoas/casais interessados.

Enquanto adverte que “não se pode romantizar a adoção”, Aparecida Leandro pondera: “é preciso garantir o bem-estar dessa criança. Um ambiente seguro e estável. Adoção não é só pegar no abrigo e levar. E essa criança não é pra ser uma companhia na velhice. É um filho. Você não gestou, mas é um filho seu. É muita responsabilidade. Tirar a criança de um abandono que ela sofreu é fazer essa criança imaginar que vai pra uma casa. Ela também começa a visualizar uma coisa boa. E espera que não dê errado.”

Por isso, o preparo psicológico é necessário não apenas para quem vai ser adotado. Quem vai adotar também precisa estar de peito aberto para uma nova experiência. Uma nova vida. “Se essa criança já sofreu um abandono e tem uma segunda chance, a gente tem que fazer com que tudo aconteça da melhor maneira. Nada pode ser às pressas. Porque aí pode gerar outro trauma, com um agravo muito maior. A prioridade é sempre o bem-estar da criança. Que ela vá, então, com muito amor”, finaliza Aparecida Leandro.

SERVIÇO
NÚCLEO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE NA DEFENSORIA
Endereço: rua Júlio Lima, nº 770, no bairro Cidade dos Funcionários, em Fortaleza.
E-mail: nadij@defensoria.ce.def.br
Telefone fixo: (85) 3194.5093 (de segunda a sexta, das 8 horas às 17 horas).
Celular: (85) 9.8895.5716.

* Dados coletados do painel de monitoramento do SNA às 9 horas de 3 de junho de 2024.

 

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