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Cearense com síndrome rara é adotado por casal paulista: “a criança que Deus mandou pra gente”

Cearense com síndrome rara é adotado por casal paulista: “a criança que Deus mandou pra gente”

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Um dos processos de adoção acompanhados pela Defensoria Pública do Ceará (DPCE) dá uma lição de amor a quem pensa em entrar na fila. Samuel é um menino completamente fora do padrão buscado pelos pretendentes. Negro, diagnosticado com uma condição rara e aos cinco anos, ele encontrou um lar em São Paulo, com uma família multirracial: mãe de origem oriental e pai e irmãos brancos.

Texto: Bruno de Castro
Foto: Arquivo Pessoal
Ilustração: Valdir Marte

“A mãe é a pele da gente.”
Ana Milena Hurtado, de 5 anos,
na página 83 do livro “Casa das Estrelas”

“Pai é uma pessoa muito especial porque tinha
a gente no coração quando a gente estava na barriga.”
Luisa Fernanda Borrero, de 9 anos,
na página 104 do livro “Casa das Estrelas”

 

Quis a vida que, tão logo engravidassem, após oito longos anos de tentativas, o engenheiro biomédico e professor Filipe Loyola, de 34 anos, e a professora Mayumi Itami, de 40 anos, recebessem outra importante notícia: estavam, enfim, habilitados a fazer parte do Sistema Nacional de Adoção (SNA). Era 2019 e eles começavam ali, mesmo sem saber, a gestar um filho de características raras e morador em terras longínquas.

“Nós tínhamos certeza de que iríamos ter um filho de qualquer forma. A gente sempre comentou com muita tranquilidade que queria ser pai e mãe. A forma como isso iria acontecer? Só Deus sabia”, recorda Filipe. “Enquanto fazia tratamento pra engravidar, a gente passava por todo o processo com psicólogo, assistente social, tudo, pra entrar na fila da adoção”, acrescenta Mayumi.

Como todo pretendente cadastrado no SNA, o casal indicou o perfil de criança que buscava. Estar em algum abrigo público da região do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo, onde fica Tremembé, cidade na qual os professores moram, não era obrigatório. Os dois estavam dispostos a desbravar o país quando o(a) filho(a) surgisse. Foi o que aconteceu.

O tão sonhado filho veio do Ceará, distante cerca de 3.000 quilômetros. “Nós soubemos por e-mail que a nossa vinculação ao Samuel tinha acontecido. Vi no celular e vim chorando do trabalho pra casa”, lembra Filipe. “Recebemos o e-mail e o pessoal de Fortaleza entrou em contato com a gente dizendo que ele tinha uma síndrome rara. Queriam saber se a gente iria adotar mesmo assim”, complementa Mayumi.

O garoto é diagnosticado com a Síndrome de Klippel-Feil, uma condição que acomete uma a cada 40 mil crianças nascidas vivas, causa a fusão de vértebras e gera anomalias em outros sistemas do organismo. Além disso, Samuel tem paralisia cerebral. Não fala, precisa de ajuda para andar e alimenta-se exclusivamente por uma sonda no estômago, equipamento esse que precisa de manutenção diária e troca periódica.

 

Samuel (à direita), nos braços de Filipe (o pai), com toda a família

 

 

No SNA, 20% das 4.767 crianças e adolescentes hoje disponíveis para adoção têm alguma doença e 1,7% apresentam alguma deficiência física. “Quando vi o relatório médico dele, eu fiquei dias chorando, pensando em como essa criança passou por tudo isso sozinha, sem uma mãe e sem uma família. A gente não conseguia dormir, só imaginando a situação, porque ele já teve algumas complicações”, confessa Mayumi, que dias depois, em abril deste ano, desembarcou em Fortaleza com os pais, os dois filhos biológicos que teve enquanto aguardava uma criança pelo SNA e Filipe.

Ao todo, entre abril e maio, a comitiva passou 18 dias na capital cearense vivendo uma verdadeira maratona antes de voltar para Tremembé com Samuel. “Foi tudo muito intenso e de muito aprendizado, de muitas descobertas, porque fizemos um verdadeiro treinamento. Foi transformador! É um mundo novo esse que a gente tá entrando, que o Samuel está nos apresentando. Não é algo que a gente tá habituado a fazer. Mas a gente tá disposto a aprender”, sintetiza Mayumi.

Já em São Paulo, a família recebeu em 15 de maio, pleno aniversário de Filipe, a notícia da concessão pela Justiça da guarda provisória de Samuel. Entre um episódio e outro, o recebimento da notícia da vinculação e a vida juntos, portanto, apenas um mês transcorreu. Em breve, a guarda definitiva deve ser uma realidade e Samuel será, de fato e de direito, o primogênito do casal. Afinal, está hoje com cinco anos.

Pai e mãe já se derretem pelo garoto. “Samuel é um menino muito amoroso e expressivo. Foi a criança que Deus mandou pra gente. Você descobre uma condição especial e vai dizer não? Não existe isso. É a mesma coisa de um filho biológico. Preconceito a gente sabe que existe. Tive casos dentro da minha família. Mas até isso o Samuel veio pra ensinar. A maioria das pessoas tem dado força. Tem muita gente disposta a ajudar”, avalia Filipe.

Por hora, ele e Mayumi têm sido bastante demandados pelos três pequenos. Benjamin, de quatro anos, e Aurora, de dois anos, também pedem colo. “Não fomos nós que encontramos o Samuel. Foi ele que encontrou a gente. E é impressionante como as pessoas se emocionam com a história e chegam junto pra ajudar. Ele é abençoado. Tudo tem dado certo”, finaliza a mãe.

 

 

* A Defensoria opta por resguardar o rosto de Samuel pelo fato de a guarda definitiva ainda não ter sido concedida pela Justiça.