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Garoto terá dois pais na certidão de nascimento; atuação da Defensoria reconhece relação socioafetiva perante a Justiça

Garoto terá dois pais na certidão de nascimento; atuação da Defensoria reconhece relação socioafetiva perante a Justiça

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Foto EM DESTAQUE: Arquivo pessoal cedido pela família

Neste ano, uma casa do assentamento Santa Elisa, na comunidade Rancho, no sertão de Quixeramobim, vai celebrar dois aniversários de forma diferente. Em 19 de março, um homem chegará aos 35 anos com um novo filho. E seis dias depois, em 25 de março, um menino (no centro da foto acima) fará 11 anos ganhando de presente esse homem como segundo pai.

Após atuação da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), a Justiça reconheceu o vínculo socioafetivo de Ângelo Ravel com o padrasto, o agricultor José Adilton. Assim, o garoto deixará de ser “apenas” enteado para ter o sobrenome, Moraes, e passar a ter todos os direitos de herdeiro legítimo do que o coração já dizia ser. Na certidão de nascimento, constará o nome de dois pais: o biológico, com quem não tem mais contato, e o dos afetos, com quem vive há sete anos.

Adilton é companheiro de Teresa Cristina Nunes de Sousa, mãe de Ângelo, desde 2017, quando a criança tinha apenas quatro anos. “Eu também ser reconhecido como pai dele era uma coisa que ninguém acreditava que podia acontecer. Mas aconteceu. E eu tô muito feliz”, celebra o homem. “O coração fica mais tranquilo. Agora é dar entrada no novo documento”, acrescenta.

Ele lembra que o pedido para tudo isso acontecer partiu do próprio menino, cuja história popularizou-se após Ângelo, aos oito anos, escrever uma carta a uma estação de rádio de Quixeramobim revelando o desejo de ter o sobrenome do padrasto. “Sempre foi meu sonho ter o sobrenome dele no meu documento porque pai é o que cria. E ele é meu pai. Então, isso estar acontecendo é uma alegria grande. Eu tô me sentindo feliz. Muito feliz”, admite o garoto.

BUSCAS PELO PAI BIOLÓGICO
Após ganhar o mundo pelas ondas de rádio, a história foi parar nos balcões da Defensoria, que presta assistência jurídica à família desde o início do processo, em junho de 2021. Foram, portanto, dois anos e oito meses de espera entre o começo da ação judicial e a sentença do juiz, proferida no fim de fevereiro e agora disponibilizada, autorizando a inclusão do sobrenome de Adilson na certidão de Ângelo.

 

Primeiro atendimento na Defensoria em Quixeramobim aconteceu ainda durante a pandemia, em junho de 2021 (FOTO: Bruno de Castro)

“A paternidade socioafetiva é um tema novo, que ainda não tem legislação específica determinando qual o rito a ser seguido. Para se resguardar, o juiz determinou que, antes de proferir a sentença, o pai biológico do Ângelo fosse procurado. E isso demandou tempo, porque ele não foi localizado nas primeiras diligências. Eu mesmo pedi acesso a vários sistemas e fiz buscas, até que o encontramos depois de alguns meses e ele passou a ter ciência da situação”, revela o defensor Jefferson Leite, que atuou no caso.

A tese da DPCE, de Adilton e Ângelo terem há anos uma relação socioafetiva de pai e filho, relatada por diversas pessoas ouvidas no processo, foi também reforçada em parecer favorável do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) ao reconhecimento do vínculo paternal. A justiça ainda pediu que o vínculo fosse endossado por um laudo elaborado por uma assistente social da Prefeitura de Quixeramobim, que visitou a família, conversou com as partes e entrevistou testemunhas.

“A inclusão do sobrenome do Adilton caracteriza a paternidade. Ele passa a ser pai do garoto, que terá legalmente duas filiações paternas. Lá na frente, quando for maior de idade, o próprio Ângelo vai decidir se quer manter assim ou se vai retirar o pai biológico. Neste momento, a opção foi solicitar apenas a inclusão do sobrenome do Adilton, sem retirar o sobrenome do pai biológico, porque o Ângelo é apenas uma criança. É importante ter cautela. Segundo a legislação, ele é uma pessoa em desenvolvimento e retirar o sobrenome do pai biológico significaria abrir mão de direitos sucessórios [herança], por exemplo. Então, agora, a decisão mais segura e racional, considerando os interesses da criança, é manter a dupla vinculação”, acrescenta o defensor Jefferson Leite.

SENTENÇA E FELICIDADE
Na decisão favorável a Adilton e Ângelo, o juiz Rogaciano Bezerra Leite Neto, da 2ª Vara de Quixeramobim, reforça a importância de garantir o melhor interesse do menino, e cita o reconhecimento da paternidade como necessário, pois é o agricultor quem atualmente garante ao garoto apoio material e moral, “essenciais para o seu pleno e sadio desenvolvimento.”

O magistrado afirma: “verifico que há uma relação íntima de afeto construída ao longo de considerável tempo de convivência familiar, na qual o Sr. José Adilton exerce, de fato, a figura paterna, prestando assistência material e afetiva à criança como se seu filho. Além do afeto, há o desejo de ambos – José Adilton e Ângelo – de ver reconhecida a paternidade socioafetiva, a fim de formalizar a situação já vivenciada no seio familiar.”

A mãe do garoto também celebra a conquista da família, composta ainda pelo caçula Moraes Neto, filho de Teresa com Adilton. “Eu ainda nem acredito que deu certo! Nunca pensei que existisse essa maneira de resolver [tendo dois pais na certidão]. Quando o Ângelo me pedia pra ter o sobrenome do Adilton, eu dizia que quando ele fosse maior de idade a gente iria atrás disso. Então, fiquei feliz demais com o resultado! Ele conseguiu realizar um sonho”, afirma Teresa Cristina.

 

Ângelo e Adilton na casa onde vivem, no sertão de Quixeramobim (FOTO: Déborah Duarte)

Com a decisão judicial favorável e já averbada em cartório de registro civil de Quixeramobim, uma nova certidão de nascimento será emitida. Nela, o menino terá os dois pais. E tão importante quanto: será, enfim, Ângelo Ravel Nunes de Sousa Moraes.

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