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“A gente valoriza muito pouco o SUS”, diz epidemiologista em debate sobre direito à saúde no #NaPausa

“A gente valoriza muito pouco o SUS”, diz epidemiologista em debate sobre direito à saúde no #NaPausa

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Em meio à maior crise sanitária do mundo no último século, muitos países tiveram este ano seus sistemas de saúde colocados em xeque devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No Brasil, especialistas afirmam que o modelo universal do SUS, de atender a qualquer pessoa gratuitamente, foi fundamental para a doença não ter impacto ainda mais catastrófico do que os 161 mil mortos registrados até o momento. Mas os usuários têm consciência disso?

“SUS e o direito à saúde” foi o tema dessa quarta-feira (4/11) do #NaPausa, o programa de debates da Defensoria no Instagram. “Lá fora, tem gente que se endivida para uma vida inteira porque precisou do sistema uma vez. No Nudesa [Núcleo de Defesa da Saúde da Defensoria Pública], nós chegamos a ter 80 pessoas por dia em busca de judicializar demandas, porque o SUS está sobrecarregado. A gente sabe que nosso sistema tem dificuldades, mas extinguir não é a solução. Assim como sucatear também não. Nos Estados Unidos, muitos deputados dizem que o Brasil é referência na área”, pontuou a defensora pública Nelie Aline Marinho, em conversa com o médico epidemiologista Antônio Silva Lima Neto.

Doutor pela Universidade de Harvard, professor universitário e gerente da Célula de Vigilância Epidemiológica da Prefeitura de Fortaleza, ele afirmou que privatizar o SUS “é um equívoco em todos os sentidos”. A fala fez referência ao decreto do Governo Federal que abria brecha legislativa para isso acontecer e foi revogado diante da má repercussão, inclusive internacional.

Conforme Lima Neto, a discussão mundial vai justamente no sentido contrário da privatização. “Os Estados Unidos, por exemplo, não têm um sistema universal público de saúde e todos se questionam como teriam respondido à pandemia se tivessem [os EUA lideram em casos (9,8 milhões) e mortes (239 mil). O Brasil vive uma situação esquizofrênica. É o único sistema universal que a classe média não utiliza para o atendimento diário. Só usa pra vacina, vigilância sanitária, portos, aeroportos etc. Isso é muito ruim. Porque sistemas universais existem para que todos tenham mais ou menos o mesmo direito; é pra garantir alguma dignidade pra todo mundo”, afirmou.

O epidemiologista destacou que os sistemas canadense e inglês também baseiam-se na participação de todos, com o inglês sendo utilizado por 95% da população. No Brasil, o índice é de 75%. No Ceará, cerca de 90% da população depende exclusivamente do SUS. “Não sabemos o que seria do Brasil sem o SUS durante a pandemia. Foi o que foi pra linha de frente e evitou milhares de mortes. Mas a gente valoriza muito pouco o SUS. A classe média não vivenciar o SUS é uma questão muito problemática. A gente precisa estar dentro do SUS até pra melhorar o SUS. Plano de saúde não tem que ser o fetiche das pessoas. E o SUS não pode ser um campo de batalha.”

Lima Neto defendeu maior financiamento do sistema e uma mudança cultural para uso e valorização do SUS. Segundo ele, o debate sobre a questão precisa ser menos jocoso e mais científico – diferente, ainda de acordo com o especialista, de como o Ministério da Saúde, gestor do SUS, tem conduzido a crise do coronavírus no país.

Ele ressaltou a inexistência de um comitê na pasta que trabalhe com evidências científicas na resposta à Covid-19. “É uma situação bizarra. Estamos discutindo a possibilidade de uma segunda onda e a gente não tem uma diretiva. Quais indicadores estão sendo usados pra avaliar essa segunda onda? E para um novo lockdown? Qual o argumento técnico para recusarmos uma vacina chinesa? Quem é o grupo hoje que assessora o Ministério na tomada de decisão? Eu não conheço.”

O pesquisador alertou ainda para a necessidade de os cuidados contra a proliferação do coronavírus serem mantidos, já que a pandemia não foi erradicada e alguns indicadores de Fortaleza começaram a subir novamente. No Ceará, a ocupação dos leitos de UTI está na casa dos 60%. “Na capital, nós temos uma contaminação alta entre jovens, sobretudo nos bairros de alto IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da Regional 2. Isso está associado a uma série de eventos, a maioria deles privados. A gente teme que isso se espalhe. Ainda não há esse indicativo, mas a gente está muito atento. Os casos, em geral, têm complicado com menor frequência. Mas essa doença é uma loteria”, finalizou Lima Neto.

O #NaPausa é fruto de parceria da Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP) com a Associação dos Defensores Públicos do Estado (Adpec). Semanalmente, discussões que pautam a agenda pública e o mundo jurídico são promovidas entre defensores cearenses e especialistas para oferecer educação em direitos aos usuários do Instagram, uma das principais redes sociais da atualidade.