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Defensoria alerta sobre parecer da Defesa Civil que culpabiliza moradora por desabamento de casa no Poço da Draga

Defensoria alerta sobre parecer da Defesa Civil que culpabiliza moradora por desabamento de casa no Poço da Draga

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Foto: Nuham/Divulgação

Aos 60 anos, a vendedora ambulante Rosineide Ferreira vive um drama que aflige milhares de vulneráveis nesta época de chuvas no Ceará. Ela viu parte da casa desmoronar no Poço da Draga, em Fortaleza, em meio às chuvas de fevereiro deste ano, e outro cômodo estar prestes a ruir. Foi notificada pela Defesa Civil de que poderia ser acusada de um crime do qual, na verdade, foi vítima. Se condenada, poderia pegar de um ano a quatro anos de prisão e multa.

É o que diz a notificação da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de Fortaleza (COPDC), endereçada a dona Rosineide dias após o episódio. No documento, a Prefeitura cita o artigo 256 do Código Penal e dois trechos do Código Civil para atribuir à idosa a responsabilidade pelo desmoronamento do imóvel, além de determinar “a realização de reforma COM A MÁXIMA URGÊNCIA (sic)” para evitar perigo a quem vive no entorno ou transita pela área.

Rosinha, como é chamada pelos vizinhos, mora na Draga há 17 anos. Mas circula pela região desde o começo da década de 1980, quando tornou-se ambulante. “Me preocupa uma notificação como essa da Defesa Civil. Porque nós estamos falando de uma comunidade que tem mais de 100 anos de existência, foi historicamente esquecida e, por isso, sofre com problemas estruturais densos, complexos e de conhecimento público. Então, não se pode simplesmente culpar as pessoas. Quem mora lá, já está em situação de pobreza extrema e não tem condições de arcar com reformas. O que se precisa é de intervenções do Município”, avalia a supervisora do Núcleo de Habitação e Moradia (Nuham) da Defensoria Pública do Ceará (DPCE), Elizabeth Chagas.

Ela atua no caso de Rosinha e visitou os escombros onde antes era a casa da idosa. Acompanhada da equipe técnica do Nuham, conversou com moradores de imóveis do entorno e ressalta que o Poço da Draga é uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis) prioritária e instituída pela própria Prefeitura. Dispõe, inclusive, de estudos que ligam a região ao Plano Integrado de Regularização Fundiária do município. No entanto, conforme a defensora, “nada foi feito pelo poder público.”

Segundo Elizabeth Chagas, há risco iminente de desabamento de outras casas. “A notificação da Defesa Civil transfere toda a responsabilidade para uma pessoa que já está em situação de extrema vulnerabilidade. Nos parâmetros do Direito, da justiça e da Constituição Federal, além de se apresentar como mecanismo agressivo, vitimiza ainda mais dona Rosineide. A notificação parece direcionada a um morador de área de luxo de Fortaleza, como se a pessoa tivesse construído onde construiu por pura má-fé, o que definitivamente não condiz com a realidade”, acrescenta.

Diante da situação, a defensora pública, solicitou à COPDC que esse tipo de argumentação, de teor aporofóbico, não seja mais utilizado. E que o órgão também adote providências para solucionar a situação de Rosinha, além de avaliar quais intervenções devem ser feitas no imóvel da ambulante, já que é a moradia um direito fundamental e inegociável, de acordo com a Declaração das Nações Unidas e outros dispositivos legais – internacionais, inclusive – dos quais o Brasil é signatário.

“Esse tipo de notificação só deixa as pessoas aterrorizadas quando elas não podem ser criminalizadas pela própria pobreza. E, no dia a dia do Nuham, nós percebemos como algo recorrente. Fazer isso é olhar pra alguém vivendo no esgoto e culpar por estar nessa situação como se fosse uma escolha ou como se pudesse fazer diferente, mas essa pessoa é, na verdade, vítima da falta de atenção pública, da falta de políticas públicas, da falta de prioridade pública, da falta de interesse público e da falta de condições mínimas para viver e morar com dignidade”, sublinha Elizabeth Chagas.

A ideia, ela afirma, é buscar soluções junto à Prefeitura de Fortaleza de forma administrativa (ou seja: por enquanto, sem a necessidade de uma ação judicial), para a superação da situação de vulnerabilidade de Rosinha e demais moradores do Poço da Draga – já extremamente pressionados pela especulação imobiliária do litoral.

“Sempre vou buscar primeiro a tratativa do diálogo, porque é sempre um caminho mais viável. Na visita técnica que nós, do Nuham, realizamos foi possível perceber a precariedade dos imóveis, da situação de moradia, das condições desumanas vivenciadas e da necessidade urgente de uma intervenção do poder público que acolha o povo e não o culpe pela pobreza”, sintetiza a defensora pública.

SERVIÇO
NÚCLEO DE HABITAÇÃO E MORADIA DA DEFENSORIA
Telefone: (85) 3194.5063 | (85) 9.8983.1938.
E-mail: nuham@defensoria.ce.def.br
Funcionamento: de 8 horas às 17 horas.
Endereço: avenida Senador Virgílio Távora, nº 2.184, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza.