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Ninguém desaparece sozinho. Famílias vivem o luto da dúvida em casos de desaparecimento

Ninguém desaparece sozinho. Famílias vivem o luto da dúvida em casos de desaparecimento

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Viver o luto da dúvida é tão doloroso quanto a certeza da morte de um parente. Conviver com a ausência provocada pelo desaparecimento de um ente querido é uma mistura de saudade e angústia. A analista de treinamento Mariana de Sousa França carrega esses sentimentos há quase dez anos. No dia 16 de outubro de 2013, o pai da jovem, Leonardo França da Costa, saiu de Fortaleza com um vizinho, que era caminhoneiro, para uma viagem que deveria durar cinco dias, mas nunca terminou. Há dez anos, a família não tem nenhuma notícia do paradeiro do homem.

“Meu pai desapareceu em Minas Gerais, na cidade de Divisa Alegre, e até hoje não temos nenhuma informação sobre ele. Quero entender o que aconteceu e ter uma informação concreta para responder essa pergunta que você acabou de fazer: ‘o que foi que aconteceu?’. Eu ainda não sei, mas sigo vivendo a minha vida, com a esperança do meu pai ser encontrado ou que essa resposta seja dada de alguma forma”, pontua.

Mariana ainda se lembra do último diálogo com o pai. “As últimas palavras antes de viajar por telefone foram: ‘filha, eu volto no seu aniversário’, que seria dia 21 de outubro de 2013, mas até hoje nada. Já vou fazer 30 anos. Até hoje não tivemos nenhuma informação”. Assim como Mariana, milhares de pessoas sofrem com o sentimento provocado pela ausência de um ente querido.

 

“Muitas vezes, mesmo na certeza de que ela não mais voltará, a ausência da resposta e esse acontecimento em suspenso são suficientes motivos de dor e de aflição. A verdade é que a vida não combina com a incerteza”, explica a defensora Mariana Lobo, que tem atuado de forma sistêmica nesta temática como supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC).

Mesmo depois de quase uma década do desaparecimento de Leonardo, somente há dois anos foi que a família começou a buscar ajuda de forma mais efetiva. A Defensoria Pública do Estado do Ceará, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) estão dando assistência à família.

“No início, logo após o desaparecimento do meu pai, quem fez os primeiros procedimentos foi a minha tia e eu não lembro muito bem dessa época, porque era mais jovem. Sei que, em menos de dois anos, conseguiram fazer muitos processos que eu mesma desconhecia e que nunca tinham sido feitos antes. Já fizeram coleta do meu material genético para comparação em outros locais, como hospitais e IMLs; conseguiram nos entregar as segundas vias dos documentos do meu pai, que a gente não tinha nada, nenhum documento dele; e, o mais importante, estou sendo acolhida pelas pessoas. Nossa família é escutada, os psicólogos e assistentes sociais me acolheram na dor”, complementa.

A defensora pública Mariana Lobo explica o que pode ser feito. “É um mito essa questão de ter que esperar 24 horas para comunicar a autoridade policial. O desaparecimento de uma pessoa é considerado o sumiço de forma repentina, independente da idade, sem aviso aos familiares, amigos ou terceiros. O quanto antes for comunicado, mais existem evidências desse suposto desaparecimento e auxilia na localização. Quando não se sabe o que aconteceu, onde a pessoa está ou ela não é localizada nos lugares em que costuma frequentar, essa comunicação às autoridades policiais deve ser imediata”, frisa.

A Defensoria integra o Comitê de Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas ao lado da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), da Secretaria de Direitos Humanos, do Ministério Público do Ceará, da Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), da Polícia Civil, da Assessoria Especial da Vice-Governadoria e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Esse trabalho em conjunto potencializa as atividades dessas instituições, agregando parceiros, criando fluxos e protocolos de atendimento.

Ela destaca que é direito das famílias descobrir o que aconteceu e dever do Estado auxiliar nas buscas, assistência e proteção aos familiares. “Criamos no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria uma linha de atuação para trabalhar nessa questão. Nossa participação é deixar a família ciente de todos os direitos que ela tem, para dar os encaminhamentos necessários e os procedimentos cabíveis. Nosso papel é auxiliar essas famílias nesse caminho, que é um calvário, seja entrando com as ações jurídicas necessárias ou fazendo encaminhamentos para outras instituições”, destacou Mariana Lobo.

A psicóloga Ana Karla Vieira, que atua no Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado do Ceará, explica como é desafiador o trabalho com famílias que estão com parentes desaparecidos. “A ausência e a dificuldade em conseguir respostas sobre o que aconteceu causam um processo de luto que possui múltiplas fases e se desdobra em sentimentos diversos. É um luto pela ausência ou provável perda, mas que os familiares mantêm a esperança do reencontro e de saber o que houve com seu ente querido. Nesse processo, que pode durar anos, as famílias se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social, pois costumam usar recursos financeiros próprios para as buscas, inclusive se desfazem de bens pessoais”, pontua Ana Karla Vieira.

A psicóloga do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública, Ana Karla Vieira, acrescenta que tais situações afetam o seio familiar. “A medida em que a dinâmica familiar se modifica, em consequência do desaparecimento da pessoa, os familiares passam a assumir responsabilidades múltiplas e dar ênfase às buscas. Nas situações em que existem crianças, geralmente a mãe ou pai precisa se ausentar com maior frequência e necessitam buscar a rede de apoio. Tais situações, geram percalços, sofrimento psíquico e dificuldades que podem ocasionar na perda de emprego, redução da renda, dificuldade da manutenção da rotina, dificuldade para frequentar a escola, dificuldades para cuidar da própria saúde, sofrimento com ameaças e trotes, dentre outras expressões”.

A Defensoria desaconselha qualquer um destes instrumentos de busca pessoal pelo ente desaparecido e por isso, criou uma cartilha de apoio aos parentes e familiares. A cartilha pode ser acessada aqui. O material oferece um passo a passo e está dentro da campanha Desaparecidos, uma ausência presente. Assinam conjuntamente Defensoria Pública do Ceará, Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS), Secretaria de Direitos Humanos, Ministério Público do Ceará, Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), Polícia Civil do Estado do Ceará, a Assessoria Especial da Vice-Governadoria e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

Serviço
Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará
Av. Senador Virgílio Távora, 2184, Dionísio Torres. Telefone: (85) 3194-5049

12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)
Endereço: Rua Juvenal de Carvalho, nº 1125, bairro de Fátima, Fortaleza/CE.
Telefone: (85) 3257-4807
E-mail: 12dp.dhpp@policiacivil.ce.gov.br
Instagram e Facebook: @desaparecidosdhppce

O Ministério Público atua pelo Centro de Apoio Operacional da Cidadania – CAOCIDADANIA
Endereço: Av. Antônio Sales, 1740, Dionísio Torres, Fortaleza/CE
Telefone: 85 3252-6352

Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência (NUAVV)
Endereço: Avenida Desembargador Moreira, 2930 A, 2o andar, Bairro: Dionísio Torres, Fortaleza/CE
Telefones: (85) 3218-7630 / 9 8563-4067

Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público do Estado do Ceará (PLID)
Email: plidce@mpce.mp.br
WhatsApp: (85) 9.8685-8049

Núcleo de Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas da Secretaria dos Direitos Humanos
Endereço: Rua Valdetário Mota, 970, Papicu – Fortaleza, CE.
Telefone: (85) 9 8439-3459