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Assegurar direitos é empoderar o povo negro!

Assegurar direitos é empoderar o povo negro!

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Por definição, empoderamento significa a “ação de se tornar poderoso, de passar a possuir poder, autoridade”. Quando praticado a partir da raça, o verbete deixa o dicionário e torna-se um componente catalisador de mudanças sociais. Torna pessoas negras possíveis de serem protagonistas das próprias histórias. São elas quem narram o que vivem e não mais somente vivem o que lhes é narrado.

Seja pelo autoconhecimento, na luta por direitos, em meio a questões estéticas ou noutras abordagens, o empoderamento negro tem implicações antirracistas e coletivas. É também sinônimo de resistência e consciência. Consciência negra, que vai para além de si e alcança o outro. A luta do outro. Porque exige compreender o quanto pessoas negras foram e ainda são privadas de acessar diversos espaços. Por isso, posicionar-se é sempre urgente para esse povo. É uma forma de dizer que esses lugares pertencem não só à branquitude.

Mulher negra atuante na Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPCE), a defensora Eduarda Paz e Sousa avalia o empoderamento negro como necessário e algo que surge como resposta à exclusão histórica sofrida pela negritude desde os tempos coloniais “É necessário se reconhecer como indivíduo de direitos para que se estabeleça um pertencimento. Empoderar-se é não se sentir menor. Empoderar-se é ter consciência dos processos de desigualdades que existem, como eles se dão e se opor. Empoderar-se é conhecer a própria história e atuar para evitarmos a repetição desses processos. Não podemos nos dar ao luxo de não enxergar a realidade da pobreza e do abandono. Somente se empoderando é possível mudar essa realidade”, afirma a defensora.

Para além de compreender a própria realidade, há outros enfrentamentos presentes na vida da população negra que também é preciso trazer à tona e tornar pauta a se debater na agenda pública. A garantia de direitos, por exemplo. Ter direitos é fundamental para prosseguir e avançar na luta por uma sociedade com menos preconceito de raça, gênero, classe, geração e tantos quantos marcadores sociais de opressão existam. Mas se reconhecer como alguém portador de direitos é ainda mais importante, pois reafirma a posição dessas pessoas enquanto seres que fazem parte de um todo, que lutam por equidade em um contexto de apagamento histórico. Daí a missão da Defensoria. A DPCE atua na defesa de populações vulneráveis, é justamente a negritude o público mais presente, em especial as mulheres.

É o caso da Maria Nelma, de 76 anos. Mulher preta e viúva, ela recorreu à Defensoria para assegurar que vai continuar na casa na qual morou a vida toda e agora consta em inventário dado entrada pela filha após a morte do pai. Por nunca ter precisado de assistência jurídica, Nelma sequer conhecia os próprios direitos e o com o que lidaria caso o processo seguisse adiante. Recebeu orientações nos balcões da instituição. “Como negra, a dificuldade de ter meus direitos assegurados sempre existiu. Mas eu não posso me abater. As pessoas têm que ter seus direitos. E a gente conquistou a nossa liberdade foi para isso”, afirma a idosa.

Aos 36 anos, Marcos Rogério entende bem o que dona Nelma diz sobre a importância de se empoderar pelos direitos. Ele buscou a Defensoria na tentativa de nomear o filho que teve com a ex-esposa. Devido a problemas no relacionamento, não foi possível realizar o processo assim que a criança nasceu e o homem viu a necessidade de procurar a assistência jurídica da DPCE para resolver a situação.

Ele reconhece que, por vezes, não é fácil exercer os próprios direitos de maneira justa, mas pondera que não pode desistir. “Quando eu quero alguma coisa, vou atrás de saber como eu tenho que fazer, onde eu tenho que ir. Mas nem todos fazem isso, porque nem todos sabem dos seus direitos, né? O principal e o mais importante é a pessoa ser bem atendida. É o necessário. A gente precisa muito desse atendimento, principalmente, as pessoas com menos oportunidades e de classes mais baixas, que não podem pagar um advogado”, sentencia Marcos.

O antropólogo Ozaias Rodrigues reforça que muitos direitos só foram assegurados à população negra graças às lutas sociais, cuja associação a um processo de empoderamento dos indivíduos e dos coletivos é fundamental. Avanços coletivos resultam, em primeira instância, da construção de uma autoconsciência. “No caso da população negra, direitos nunca vieram de forma natural, espontânea. A estrutura judiciária é racista, a estrutura de segurança também é racista etc. Direito é uma questão ainda abstrata para essas pessoas, porque muito do que está na lei não é efetivamente cumprido.”

Ter direitos assegurados, então, é uma forma de exercer cidadania. De existir. De fortalecer a si e a um povo por séculos escravizado e, mesmo após a abolição, marginalizado das políticas públicas de inclusão. “Direito assegurado é fundamental a todo indivíduo. Porém, somente se reconhecendo a necessidade de se assegurar aos desiguais os seus direitos teremos como evitar violações, principalmente no que se relaciona a setores ainda fragilizados da sociedade, como a população negra”, ressalta a defensora pública Eduarda Paz.

Para a assistente social Gicelia Almeida, empoderamento está também ligado à estética. Algo que se coloca como superação de padrões de beleza. Entender-se enquanto mulher negra bonita, ela lembra, foi libertador. “Enxergar os aspectos negróides [características típicas de pessoas negras] é como retirar as lentes da branquitude que me foram impostas. É um processo que se rompe a cada dia. Aí, mudar a aparência estética é um processo inicial. Deixar de alisar o cabelo foi meu primeiro passo. Aceitar o meu volume, enxergar e ver o meu nariz largo, minha boca carnuda foi outro passo. Ter consciência da minha negritude e de tudo o que ela representa é uma arma potente para fazer a sociedade repensar estruturas. Mas isso é um processo lento e que ainda vai exigir muitas lutas.”

Daí a necessidade de cada vez mais negros e negras conhecerem as reais histórias dos antepassados e compreenderem o quão potentes podem ser, desde que tenham oportunidades e direitos garantidos. “O empoderamento negro precisa passar necessária e obrigatoriamente pela estética, porque estamos falando de pessoas e pessoas são corpos vivos, seres humanos que têm identidades, histórias, mas não de forma amorfa na sociedade. Eles têm traços, cabelos, olhos, cor da pele e várias outras características. A estética é importante nesse processo para essas pessoas serem valorizadas, porque a estética negra ainda é desvalorizada”, detalha Ozaias Rodrigues.

A série Afrofuturo: por uma consciência negra, em alusão ao Novembro Negro e ao Dia da Consciência Negra, continua amanhã, aqui no site da Defensoria, e vai discutir um tema caro à população preta e parda: a autoestima.

 

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