Consciência Negra: especial revela como foi ano inicial da primeira turma de cotistas raciais da Defensoria
Texto: Da Redação
Fotografias: ZeRosa Filho
Colagem/Identidade Visual: Valdir Marte
Em alusão a novembro, mês no qual ganham ainda mais evidência as lutas da população negra por qualidade de vida no Brasil, a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) veicula especial jornalístico destinado à temática. Entre esta segunda-feira (18/11) e a próxima sexta-feira (22/11), reportagens vão revelar como foi o ano inicial de trabalho da primeira turma de cotistas da instituição, cujo ingresso aconteceu em 14/11/2023. Assim, o material pauta a importância de ações afirmativas raciais em um país marcado por quase quatro séculos de uma escravização afro-indígena que impediu o acesso de pretos e pardos às instituições.
Intitulado Frente Negra da Defensoria, o material tem nome inspirado na Frente Negra Brasileira, a mais importante entidade negra do país na primeira metade do século XX e que na sua primeira fase de existência foi responsável por alçar o movimento negro ao patamar de movimento social de massa, tal como conhecemos hoje. Dentre várias atuações, a FNB oferecia assistência jurídica numa época em que Defensorias não existiam. Lutava, portanto, pela garantia de direitos. Exatamente o que fazem agora, quase um século depois, os(as) primeiros(as) defensores(as) cotistas negros(as) da história da DPCE.
O especial faz referência ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. A data, celebrada em 20 de novembro para reconhecer o mais importante líder negro e abolicionista da história do Brasil (Zumbi dos Palmares), marca o orgulho que uma raça tem de si mesma e a luta dela por emancipação e dignidade em um país no qual pretos e pardos ainda vivem em territórios com os mais baixos indicadores sociais e enfrentam graves dificuldades de acesso a espaços de poder.
Com a Frente Negra da Defensoria, a DPCE revela como a chegada de defensores(as) negros(as) cotistas transforma realidades. “As cotas tornam ainda mais diverso o órgão do sistema de justiça que, em essência, é o mais próximo da população. E a população brasileira é de maioria negra. Para que as pessoas se enxerguem nas campanhas, a questão racial já é presente nos nossos materiais o ano todo. Mas, além disso, essa conduta é uma forma de contribuir com a construção de um imaginário mais positivo da população negra, algo sobre o qual o jornalismo exerce um papel estratégico e, muitas vezes, faz o contrário e reforça estigmas perigosos, que resultam na violação de direitos”, pontua a secretária de Comunicação da DPCE, jornalista Bianca Felippsen.
REFERÊNCIAS HISTÓRICAS
No intuito de prestigiar aspectos da presença negra na formação do Brasil, a identidade visual do especial é composta da colagem de elementos como búzios, espadas de São Jorge (ou Ogum, no sincretismo com a orixalidade) e padrões africanos de tapeçaria. A figura de Zumbi dos Palmares é a grande homenageada, tanto em função do 20 de novembro, a ele dedicado, quanto da relevância do ex-quilombola para o povo negro do passado, de hoje e dos dias que ainda vão vir.
A fonte utilizada no nome do especial é inspirada na tipografia do jornal A Voz da Raça, publicado pela FNB. “O mosaico de padrões africanos representa os diferentes contextos de negritude e traz também uma perspectiva otimista a partir do afrofuturismo, que é um movimento artístico baseado no protagonismo negro, com cores vibrantes e estéticas geométricas, com o objetivo de associar as pessoas negras a narrativas positivas. É, ao mesmo tempo, uma linguagem de resgate ancestral e de construção de um novo futuro”, explica a designer Valdir Marte.
Além disso, todas as pessoas ouvidas no especial são negras. Falam a partir do entendimento político de pertencerem a uma causa coletiva. E que só faz sentido se assim for, pois muito do que está sendo colhido agora, proporcionando alguma melhoria de vida para as populações negras, é fruto de reivindicações históricas. Resulta, inclusive, da morte de muitas pessoas que ousaram desafiar o regime escravocrata ou arriscaram-se indo para a linha de frente das manifestações de rua durante a ditadura cívico-militar, por exemplo.
“As lutas dos defensores negros cotistas estão conectadas com as dos nossos ancestrais negros. As cotas, agora uma realidade, foram pautadas pelos ativistas dos anos de 1980. A Defensoria, hoje tão essencial, foi criada após muita reivindicação popular, inclusive dos movimentos negros. Então, ouvir a primeira turma negra cotista da Defensoria do Ceará é uma forma de não esquecermos disso. Porque falar de Consciência Negra não é pautar casos de preconceito. Para isso, já existe o Dia de Combate e Denúncia Contra o Racismo, em 13 de maio. O 20 de novembro vai além. É sobre empoderamento. Sobre a urgência de construirmos uma nova possibilidade de futuro para pessoas cujos direitos são há séculos violados pelo fato de serem negras e, por isso, têm uma perspectiva limitada de vida. Narrar histórias de jovens negros em posições de visibilidade e poder, como é o cargo de defensor, é uma forma de dizer, especialmente às gerações atuais, que um novo tempo não só é possível como já começou a nascer”, afirma o jornalista Bruno de Castro, idealizador do especial e autor das reportagens.
Confira todas as matérias do especial:
Cotas são conquista ancestral: uma luta de muitos por um futuro melhor para todos
Paulo Rocha: “nossa visão tem que ser coletiva, não individual”
Daniela Melgaço: “quem viveu a mesma experiência, sente de outra forma”
Glauber Leitão: “o mundo pode ser um lugar melhor com minha atuação”